"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 21 de março de 2017

Onde há fumaça, há fogo 3

Três mil e duzentos quilômetros para o sul, onde hoje é Oregon, os mesmos gansos voam pelo vale do rio Wilamette. Abaixo, índios consertam uma armadilha para peixes - uma fileira de galhos fincados no fundo de uma corredeira de um rio. Os salmões subindo a correnteza só conseguem passar por umas poucas aberturas, e lá são capturados em cestas trançadas. O climea é mais ameno, e há muitas focas, lontras, moluscos, grandes botos e milhares de pequenos peixes tão gordurosos que podiam ser secos e usados como combustível em uma tocha.


An Indian Painting Pots, Henry F. Farny

Mais ao sul, pássaros atravessando o deserto de Sonora, onde atualmente fica o Arizona, podem ver linhas esculpidas na terra. Estas não são bifurcações de rios, pois as linhas correm retas demais. São feitas pelo homem. Nos séculos depois de 300 d.C., o povo hohocan cavou quase mil quilômetros de canais, alguns com mais de dezoito metros de largura, para trazer água para o feijão, a abóbora e o milho que cultivavam. Os pássaros em 1492 ainda podem ver os restos dos canais, mas os hohokan não estão em parte alguma. [...]

Aquatint by Karl Bodmer from the book "Maximilian, Prince of Wied’s Travels in the Interior of North America, during the years 1832–1834" by Prince Maximilian of Wied.

Em suma, os povos indígenas da América do Norte diferem muitíssimo uns dos outros, em parte porque o ambiente os forçou a inventar diferentes maneiras de sobreviver. No noroeste ameno e úmido à beira do Pacífico, quem pensaria em abrir canais para irrigar plantações? Por outro lado, nenhum índio do deserto inventaria canoas de tronco em uma terra onde não se conhecem árvores grandes.


Salmon Fishing on the Cascapediac River, Albert Bierstadt

O ambiente não é o único motivo pelo qual os índios de 1492 diferiam entre si. Mesmo em climas similares, humanos diferentes pensarão em soluções diferentes para os mesmos problemas. Em 1492, fazia milhares de anos que havia pessoas vivendo na América do Norte - tempo suficiente para desenvolver diferentes crenças, costumes e culturas. Nas terras áridas da Grande Bacia, onde a sobrevivência era difícil, cada pequeno bando era liderado por um caçador que houvesse demonstrado coragem e habilidade. As sociedades indígenas do sudeste tinham povoados muito maiores e sistemas políticos muito mais complexos. Os natchez, por exemplo, se dividiam em hierarquias diferentes, governados por um rei (conhecido como O Grande Sol) e seus parentes (Pequenos Sóis). Abaixo vinham os nobres, os honoráveis e, na base da pirâmide, uma classe mais numerosa chamada indesejáveis. Como o nome O Grande Sol sugere, o culto ao sol exercia um papel importante na vida religiosa dos índios do sudeste.

(Continua no próximo post)

DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos. Porto Alegre: L&PM, 2016. p. 12-3.

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