"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 17 de março de 2017

Onde há fumaça, há fogo 1

Em um dia agradável de outono, o sol aquece as encostas dos montes Apalaches. À medida que o ar quente sobe, cria uma corrente ascendente que um gavião usa para sobrevoar a terra à procura de uma presa. A visão de um gavião é incrivelmente aguçada. Empoleirado sobre uma árvore de dezoito metros de altura, ele pode avistar no chão um inseto do tamanho desde i.


Pipestone Quarries, George Catlin

Imagine o que você veria se acompanhasse esses pássaros em sua jornada rumo ao sul. A maioria das pessoas pensa na América do Norte em 1492 como um território vasto e intocado, cheio de animais selvagens. Imaginam que, de vez em quando, é possível avistar índios atravessando um lago a remo em uma canoa feita de casca de bétula ou perseguindo búfalos a cavalo. Mas tal imagem seria extremamente equivocada. Para corrigir um detalhe imediatamente, elimine os cavalos. Em 1492, fazia 13 mil anos que não se viam cavalos na América do Norte. De fato, alguns arqueólogos acreditam que os primeiros humanos na América do Norte exterminaram os cavalos, bem como muitos mamíferos gigantes que vagavam por essas terras, incluindo mastodontes e mamutes lanudos, preguiças gigantes mais altas que uma girafa e leões de mais de dois metros de altura.

Ceremony of Secotan warriors in North Carolina, John White

Mais tarde, porém, os colonizadores europeus relataram grandes números de animais selvagens na América. Os rios da Virgínia estavam tão cheios de peixes que os cascos dos cavalos os pisoteavam quando os colonos ingleses trotavam em águas rasas. Os pescadores de Nova York capturavam lagostas de trinta centímetros de comprimento, que eles preferiam para "servir à mesa" porque eram mais convenientes de comer do que as lagostas de um metro e meio que eles também pescavam. Bisões não só perambulavam pelas Grandes Planícies como também eram vistos na Pensilvânia e na Virgínia, muito mais à leste. Havia tantos pombos-passageiros escurecendo os céus que quando pousavam para dormir os galhos das árvores quebravam sob seu peso. Em 1492, portanto, certamente veremos vida selvagem em abundância. Ainda assim, tais relatos de abundância podem ser enganosos. [...] essa grande quantidade de animais pode ter sido, em parte, criada pela chegada dos europeus na América do Norte, por mais estranho que isso possa parecer.


The Silent Fisherman, N. C. Wyeth

Em 1492, cerca de 8 milhões de índios viviam na América do Norte. Esse número não é grande, especialmente para um continente inteiro. Mais de 8 milhões de pessoas vivem hoje na cidade de Nova York. Ainda assim, o número é significativo. Para comparar, as ilhas Britânicas tinham de 2 a 3 milhões de habitantes em 1492. A França, o país mais populoso da Europa, tinha em torno de 15 milhões de pessoas. E na Ásia, mais de 100 milhões viviam somente na China. Então, pensando em 8 milhões de índios espalhados pela América do Norte, juntemo-nos aos gaviões em seu voo. O que vemos abaixo é um continente que é menos selvagem do que esperávamos. Não importa onde sobrevoamos, quase em toda parte vemos nuvens de fumaça.

(Continua no próximo post)

DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos. Porto Alegre: L&PM, 2016. p. 10-1.

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