Expostos e enjeitados eram termos que se referiam às
crianças abandonadas. Era um problema que afligia principalmente as mulheres,
levadas pelas circunstâncias a abandonarem filhos recém-nascidos, tanto
legítimos como ilegítimos.
Embora [...] a miséria não fosse o único motivo do abandono
de crianças, o fenômeno atingia principalmente as camadas sociais populares.
Ao longo do século XVIII, houve um significativo aumento da
população urbana no Brasil. Isso agravou o problema do abandono de crianças.
No campo, o abandono quase não acontecia. Se uma família ou
mãe solteira, por qualquer razão, não se dispusesse a criar o filho, ele era
acolhido por outra família. Por isso eram comuns os chamados "filhos de
criação", que podiam ou não ser colocados em pé de igualdade com os filhos
legítimos.
Os trabalhadores do campo pobres e que não possuíam escravos
dependiam da mão-de-obra dos filhos. As crianças ajudavam os pais nas tarefas
diárias: preparação de alimentos, trabalho na roça, transporte de água,
alimentação e demais cuidados com os animais domésticos, lavagem de roupa,
costura etc. Para os pequenos proprietários rurais, abandonar um recém-nascido
era se privar, a curto prazo, de uma ajuda no trabalho.
Assim, o problema do abandono de crianças era urbano,
manifestando-se principalmente nas cidades portuárias.
Nas cidades o trabalho infantil tinha pouco valor. O
trabalho artesanal urbano exigia especialização profissional, e as atividades
portuárias, força física.
[...] no meio rural dos pobres, que viviam de uma economia
de subsistência, baseada na pequena lavoura, não havia a situação de miséria
absoluta que levava ao abandono dos filhos, como ocorria nas cidades.
Tanto no século XVIII, com o Brasil ainda na condição de
colônia, como na época imperial, depois da independência política, a cidade era
um espaço de grandes desequilíbrios sociais. A falta de um mercado de trabalho
para os pobres livres, agravada ainda pela depreciação do trabalho manual em
uma sociedade escravista, tornava precária a vida das pessoas pertencentes às
camadas populares. A cidade atraía os pobres do campo, mas não oferecia a eles
condições estáveis de existência.
Por essa razão, a partir do século XVIII, o abandono de
crianças se tornou endêmico. Elas eram deixadas nas calçadas, praias, terrenos
baldios, portas de igrejas e residências.
O crescente abandono e a mortandade de crianças abalava a
consciência católica. Causava indignação o número de inocentes que morriam sem
ser batizados. Segundo a tradição religiosa, sem batismo eles não iam para o
reino dos céus. Nessa tradição, a morte era uma fatalidade que se devia aceitar
com resignação, mas não sem o sacramento do batismo.
As elites religiosas e civis se mobilizaram para resolver o
problema. A criação da Casa dos Expostos, ou Casa da Roda, foi uma das soluções
encontradas. Essa instituição surgiu no século XVIII.
Abandono de criança na roda dos expostos.
Ilustração do século XIX
Uma Carta Régia de 1693 determinava que as crianças
abandonadas fossem criadas às custas dos cofres públicos. Mas essa determinação
permaneceu letra morta até 1738, quando se fundou - não com dinheiro público,
mas particular - um estabelecimento no Rio de Janeiro, ligado à Santa Casa de
Misericórdia. O modelo acabou sendo copiado em outras cidades brasileiras.
A Casa dos Expostos era dotada de um equipamento composto
por uma roda colocada na parede na posição horizontal. Metade da roda ficava do
lado de fora do prédio e a outra metade do lado de dentro. Desse modo, era
possível colocar a criança do lado de fora e, girando a roda, passá-la para o
lado de dentro. Esse sistema permitia manter o anonimato, escondendo a
identidade da pessoa que abandonava o recém-nascido. A roda dos enjeitados, ou
roda dos expostos, funcionava dia e noite.
A Casa dos Expostos caracterizava bem o tipo de cuidado que
as elites tinham com as populações pobres. Era um cuidado orientado pelo
espírito da caridade e da solidariedade cristãs.
Era esse espírito, e também muito provavelmente o remorso
cristão, que levava as pessoas a fazerem doações, muitas através de
testamentos. Isso permitia que as Casas dos Enjeitados funcionassem, visto que
o dinheiro destinado pelo Estado para essa finalidade era pouco e irregular.
A existência dessas casas de recolhimento de crianças
tranquilizava as consciências cristãs, mas não garantia a sobrevivência delas.
A mortandade das crianças nessas casas era altíssima.
Outra solução tentada para resolver o problema da criança
abandonada foi o incentivo do Estado às famílias criadeiras. A família recebia
uma ajuda do Estado para criar a criança abandonada. O valor pago sempre foi
muito baixo, mal dando para a compra de um pouco de farinha de mandioca e de
carne-seca.
Puxão de orelha, Almeida Júnior
Além de receber a ajuda do Estado, a família que tomava a
seu encargo a criação de uma criança abandonada dava provas de caridade cristã.
A mortandade dessas crianças entregues às famílias criadoras também era muito
alta.
As Casas dos Enjeitados não eram uma solução apenas para as
camadas populares que tinham dificuldades em criar os filhos. Elas serviam
também para encobrir desvios morais e preservar as famílias das elites. Era um
lugar para filhos ilegítimos. Livrando-se do filho indesejado, a mulher,
solteira ou casada, se livrava também da condenação moral aos amores proibidos.
Consciente ou inconscientemente, as autoridades reconheciam
que a roda dos enjeitados contribuía para a conservação da moralidade das
elites. Tanto que essas autoridades não se preocupavam em esclarecer a origem
da criança. Portanto, a roda também tinha por finalidade evitar situações
embaraçosas para as "boas famílias". Salvavam-se a criança e a moral
dessas famílias.
Em relação às camadas pobres e miseráveis da população, a
roda significava a solução de um problema público. No que se refere à elite,
era a solução para problemas privados.
PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos
temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 253-6.
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