"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Família brasileira no Império: a frágil família popular

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O primeiro aspecto a salientar nas organizações familiares populares era o seu caráter instável. A tal ponto que se chegou a duvidar de que essas camadas populares constituíssem verdadeiras famílias.

O número de filhos bastardos, o concubinato, a bigamia, os filhos abandonados, os lares desfeitos, a dificuldade de obter o mínimo necessário para a subsistência, a miséria extrema que levava à mendicância eram evidências da extrema fragilidade das famílias populares.

Negra pobre dando a mão ao filho que leva uma cana na mão, Joaquim Cândido Guillobel

As famílias de escravos, pela própria natureza do regime escravista, eram as mais instáveis e existiam em pouco número. A situação precária em que viviam os negros forros também dificultava a constituição de famílias.

Negro pobre carregando cesto às costas, Joaquim Cândido Guillobel

Assim sendo, a família da gente livre e pobre estruturou-se independentemente dos laços matrimoniais. Tanto na sociedade relativamente urbanizada de Minas Gerais, no auge da economia mineira, como em São Paulo ou no Rio de Janeiro do período imperial, a proporção de casas cujos chefes eram mulheres era muito grande.

Interior de uma casa do baixo povo, Joaquim Cândido Guillobel

A historiadora Laura de Mello e Souza estudou essa camada social na sociedade do ouro, mostrando toda a precariedade em que vivia. Eram homens, mulheres e crianças que viviam nos limites da sobrevivência. Nesse meio os filhos bastardos eram maioria absoluta. A maior parte das uniões era legalmente ilícita e contrária à moral católica oficial.

Os lares chefiados por mulheres sem marido ou companheiro representavam quase a metade dos existentes em Vila Rica na segunda metade do século XVIII.

A taxa de prostituição era alta, e a miséria das mulheres era tanta que as que tinham roupas decentes para se apresentar em público despertavam desconfiança dos fiscais por esse "luxo".

A numerosa camada social situada entre a elite e os escravos tinha como característica fundamental a pobreza e a instabilidade. Tanto que a referida historiadora encontrou na expressão desclassificados do ouro a melhor maneira de defini-los. Nesse meio era quase impossível a constituição de famílias estáveis, qualquer que fosse o modelo delas ou sua forma de organização. Na verdade estamos diante de uma "desorganização familiar", determinada pela extrema precariedade das condições de existência material.

Família pobre em casa, Jean-Baptiste Debret. A imagem mostra uma moradia popular. Uma velha viúva e sua filha viviam na pobreza, mas possuíam uma escrava, cujo trabalho de carregadora de água garantia o sustento das três. Na volta de sua jornada, a escrava traz um cacho de bananas. Falta nesse grupo a figura do pai, marido ou companheiro. Eram numerosos os lares chefiados por mulheres nos meios populares.

Outra historiadora, Maria Odila Leite da Silva Dias, levantou dados que demonstraram que cerca de um terço dos lares paulistanos na segunda metade do século XIX também eram chefiados por mulheres. Famílias que também, na sua maioria, viviam na pobreza.

Mulher negra, Almeida Júnior

Para o Rio de Janeiro, além de dados levantados pela pesquisa acadêmica, temos o registro da literatura. O Cortiço, de Aluísio Azevedo, por exemplo, retrata a instabilidade das famílias populares e a precariedade do seu modo de vida. A obra revela ainda a violência que envolvia a vida cotidiana dos membros das camadas sociais populares e marcava as relações familiares.

PEDRO, Antônio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 252-3.

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