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O primeiro aspecto a salientar nas organizações familiares
populares era o seu caráter instável. A tal ponto que se chegou a duvidar de
que essas camadas populares constituíssem verdadeiras famílias.
O número de filhos bastardos, o concubinato, a bigamia, os
filhos abandonados, os lares desfeitos, a dificuldade de obter o mínimo
necessário para a subsistência, a miséria extrema que levava à mendicância eram
evidências da extrema fragilidade das famílias populares.
Negra pobre dando a mão ao filho que leva uma cana na mão, Joaquim Cândido Guillobel
As famílias de escravos, pela própria natureza do regime
escravista, eram as mais instáveis e existiam em pouco número. A situação
precária em que viviam os negros forros também dificultava a constituição de
famílias.
Negro pobre carregando cesto às costas, Joaquim Cândido
Guillobel
Assim sendo, a família da gente livre e pobre estruturou-se
independentemente dos laços matrimoniais. Tanto na sociedade relativamente
urbanizada de Minas Gerais, no auge da economia mineira, como em São Paulo ou no Rio de
Janeiro do período imperial, a proporção de casas cujos chefes eram mulheres
era muito grande.
Interior de uma casa do baixo povo, Joaquim Cândido Guillobel
A historiadora Laura de Mello e Souza estudou essa camada
social na sociedade do ouro, mostrando toda a precariedade em que vivia. Eram
homens, mulheres e crianças que viviam nos limites da sobrevivência. Nesse meio
os filhos bastardos eram maioria absoluta. A maior parte das uniões era
legalmente ilícita e contrária à moral católica oficial.
Os lares chefiados por mulheres sem marido ou companheiro
representavam quase a metade dos existentes em Vila Rica na segunda
metade do século XVIII.
A taxa de prostituição era alta, e a miséria das mulheres
era tanta que as que tinham roupas decentes para se apresentar em público
despertavam desconfiança dos fiscais por esse "luxo".
A numerosa camada social situada entre a elite e os escravos
tinha como característica fundamental a pobreza e a instabilidade. Tanto que a
referida historiadora encontrou na expressão desclassificados do ouro a melhor
maneira de defini-los. Nesse meio era quase impossível a constituição de
famílias estáveis, qualquer que fosse o modelo delas ou sua forma de
organização. Na verdade estamos diante de uma "desorganização
familiar", determinada pela extrema precariedade das condições de
existência material.
Família pobre em casa, Jean-Baptiste Debret. A
imagem mostra uma moradia popular. Uma velha viúva e sua filha viviam na pobreza,
mas possuíam uma escrava, cujo trabalho de carregadora de água garantia o
sustento das três. Na volta de sua jornada, a escrava traz um cacho de bananas.
Falta nesse grupo a figura do pai, marido ou companheiro. Eram numerosos os
lares chefiados por mulheres nos meios populares.
Outra historiadora, Maria Odila Leite da Silva Dias,
levantou dados que demonstraram que cerca de um terço dos lares paulistanos na
segunda metade do século XIX também eram chefiados por mulheres. Famílias que
também, na sua maioria, viviam na pobreza.
Mulher negra, Almeida Júnior
Para o Rio de Janeiro, além de dados levantados pela
pesquisa acadêmica, temos o registro da literatura. O Cortiço, de Aluísio
Azevedo, por exemplo, retrata a instabilidade das famílias populares e a
precariedade do seu modo de vida. A obra revela ainda a violência que envolvia
a vida cotidiana dos membros das camadas sociais populares e marcava as
relações familiares.
PEDRO, Antônio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos
temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 252-3.
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