A concepção burguesa de família se implantou no Brasil no
decorrer do século XIX. Foi durante esse período que a sociedade brasileira
assimilou, de alguma maneira, as ideias liberais europeias e os progressos
tecnológicos da Revolução Industrial. Esse modelo burguês de família obrigou,
pela primeira vez no país, a uma clara delimitação no meio urbano entre o
espaço privado e o espaço público. Essa família burguesa tinha como uma das
suas características a intimidade.
Enquanto a família patriarcal é numerosa, estendida, a
família burguesa se caracteriza por um triângulo básico: a esposa, o marido e
os filhos.
Aqui o modelo burguês de família encontrou uma realidade
completamente diferente da europeia, na qual nasceu. No Brasil do período
imperial, predominava o mundo rural, o escravismo e o latifúndio exportador.
Não havia aqui uma aristocracia com hábitos mais modernos, nem uma classe
burguesa, nem uma urbanização acentuada.
[...]
Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil e a
posterior emancipação política, houve um incremento da vida urbana e uma
assimilação de hábitos europeus pelas nossas classes dominantes. O
comportamento das elites portuguesas que acompanharam a família real
influenciou uma mudança de hábitos dessas classes. As famílias importantes do
meio rural passaram a ter sua casa na cidade, particularmente no Rio de
Janeiro. Iam para o Rio para que os filhos pudessem estudar, para tratar de
negócios, participar da vida social urbana e se aproximar do centro do poder.
Esse comportamento aristocrático trazido pela elite
portuguesa pode ser resumido na noção de mundanismo. Vida mundana
seria aquela voltada para os prazeres do mundo, frequentando teatros,
espetáculos, bailes e saraus. Admirar obras de arte, ter uma vida social
intensa, praticando o jogo do amor e da conquista, faziam parte do estilo de
vida mundano.
Leitura, Almeida Júnior
O mundanismo rompeu com a moralidade rígida, com o ideal de
vida criado pelo cristianismo, marcado pela recusa ao prazer.
Esse novo estilo de vida arrancou esposas e filhas da
clausura do lar, permitindo que elas tivessem uma vida mais livre: sair às
comprar, seguir a moda europeia, frequentar teatros e cafés, ler romances de
folhetim.
Se o mundanismo trouxe a mulher da família patriarcal para
fora de casa, a concepção burguesa de família, à medida que tomava força, a
conduziu de volta ao lar.
A concepção burguesa de família, que começou a se firmar no
Brasil durante o período imperial, teve como um dos seus principais veículos as
recomendações e práticas dos médicos higienistas.
[...]
Entre os diferentes temas abordados pelos higienistas,
muitos estavam relacionados à mulher e à família: puberdade feminina,
menstruação, relações sexuais, prostituição e higiene da primeira infância. Os
papéis e os comportamentos da mulher, dentro e fora do cenário familiar,
passaram a ser preocupações médicas. A influência desses especialistas
aumentava quando eles tinham funções públicas ou políticas importantes, como
chefes de sanatórios, diretores de hospitais, deputados e senadores.
Na concepção de família proposta no trabalho desses
especialistas, a mulher teria um importante papel. Ela seria um misto de ama,
enfermeira, professora e administradora das despesas da casa. Nesse novo papel,
ela seria a rainha do lar.
A mãe dedicada e atenciosa era um ideal de mulher que só
podia ser plenamente atingido na família burguesa, Os cuidados e a supervisão
da mãe passaram a ser muito valorizados. Era louvável que as próprias mães se
encarregassem da primeira educação dos filhos, não os deixando sob os cuidados
de amas, principalmente de escravas negras.
Dessa forma os médicos, os educadores e a própria imprensa
procuraram preparar a mulher para o papel de guardiã do lar e da família.
Combatia-se duramente o ócio feminino, sugerindo que as mulheres se dedicassem
de corpo e alma aos afazeres domésticos e se desdobrassem nos cuidados para com
o marido e os filhos.
[...]
Fiel retrato do interior de uma casa brasileira, Joaquim
Cândido Guillobel
Considerada como a base moral da sociedade, a mulher de
"boa família", esposa e mãe burguesa, deveria ainda zelar pela sua
castidade e pela das suas filhas.
A par dessas recomendações às mulheres das elites, o Estado
desencadeou uma série de ações para controlar as camadas populares. Isso era
feito em nome da saúde, da segurança e da moralidade. A ordem pública
contribuiria para a preservação da honra das mulheres pertencentes às classes
médias e altas da população.
Nesse modelo burguês de família, o casamento era usado como
um meio de ascensão social. A mulher casada tinha também a função de contribuir
para a mobilidade social da sua família. Isso podia ser feito através de um
comportamento adequado quando ela aparecia em público ou quando recebia
visitas. Nessas ocasiões tinha de desempenhar o papel de esposa e mãe exemplar.
Suas filhas, como moças de boa família, poderiam encontrar bons casamentos,
contribuindo para a ascensão social da família.
Essa mulher estava, portanto, destinada ao casamento. As que
não se casavam melhor seria que fossem para um convento, preservando assim, o
"bom nome" da família.
Nesse tipo de casamento, estava presente o interesse de
conservar e ampliar o patrimônio econômico da família e mesmo a sua influência
política. Tanto que a mulher tinha de ter um dote, o qual se confundia com a
própria honra da pretendente ao casamento. Em outras palavras, a moça sem dote
não podia ser honrada.
As moças candidatas ao casamento deviam aparecer sempre bem
cuidadas e manter a castidade. Isso exigia rigoroso controle sobre o
comportamento delas.
Conservar a honra da família era também zelar pelos seus
interesses políticos e econômicos. A virgindade feminina era requisito
fundamental para o casamento nas classes altas, independentemente de ser ou não
valorizada por si mesma. Ela servia para manter a condição da noiva como objeto
de valor econômico e político. A continuidade da família e a herança dos
descendentes dependiam dela.
Família brasileira a passeio, Joaquim Cândido Guillobel
PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História
por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 248-251.
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