"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Família brasileira no Império: o modelo burguês de família

O último baile, Aurélio de Figueiredo

A concepção burguesa de família se implantou no Brasil no decorrer do século XIX. Foi durante esse período que a sociedade brasileira assimilou, de alguma maneira, as ideias liberais europeias e os progressos tecnológicos da Revolução Industrial. Esse modelo burguês de família obrigou, pela primeira vez no país, a uma clara delimitação no meio urbano entre o espaço privado e o espaço público. Essa família burguesa tinha como uma das suas características a intimidade.

Enquanto a família patriarcal é numerosa, estendida, a família burguesa se caracteriza por um triângulo básico: a esposa, o marido e os filhos.

Cena de família de Adolfo Augusto Pinto, Almeida Júnior

Aqui o modelo burguês de família encontrou uma realidade completamente diferente da europeia, na qual nasceu. No Brasil do período imperial, predominava o mundo rural, o escravismo e o latifúndio exportador. Não havia aqui uma aristocracia com hábitos mais modernos, nem uma classe burguesa, nem uma urbanização acentuada.

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Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil e a posterior emancipação política, houve um incremento da vida urbana e uma assimilação de hábitos europeus pelas nossas classes dominantes. O comportamento das elites portuguesas que acompanharam a família real influenciou uma mudança de hábitos dessas classes. As famílias importantes do meio rural passaram a ter sua casa na cidade, particularmente no Rio de Janeiro. Iam para o Rio para que os filhos pudessem estudar, para tratar de negócios, participar da vida social urbana e se aproximar do centro do poder.

Esse comportamento aristocrático trazido pela elite portuguesa pode ser resumido na noção de mundanismo. Vida mundana seria aquela voltada para os prazeres do mundo, frequentando teatros, espetáculos, bailes e saraus. Admirar obras de arte, ter uma vida social intensa, praticando o jogo do amor e da conquista, faziam parte do estilo de vida mundano.


Leitura, Almeida Júnior

O mundanismo rompeu com a moralidade rígida, com o ideal de vida criado pelo cristianismo, marcado pela recusa ao prazer.

Esse novo estilo de vida arrancou esposas e filhas da clausura do lar, permitindo que elas tivessem uma vida mais livre: sair às comprar, seguir a moda europeia, frequentar teatros e cafés, ler romances de folhetim.

Se o mundanismo trouxe a mulher da família patriarcal para fora de casa, a concepção burguesa de família, à medida que tomava força, a conduziu de volta ao lar.

A concepção burguesa de família, que começou a se firmar no Brasil durante o período imperial, teve como um dos seus principais veículos as recomendações e práticas dos médicos higienistas.

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Entre os diferentes temas abordados pelos higienistas, muitos estavam relacionados à mulher e à família: puberdade feminina, menstruação, relações sexuais, prostituição e higiene da primeira infância. Os papéis e os comportamentos da mulher, dentro e fora do cenário familiar, passaram a ser preocupações médicas. A influência desses especialistas aumentava quando eles tinham funções públicas ou políticas importantes, como chefes de sanatórios, diretores de hospitais, deputados e senadores.

Na concepção de família proposta no trabalho desses especialistas, a mulher teria um importante papel. Ela seria um misto de ama, enfermeira, professora e administradora das despesas da casa. Nesse novo papel, ela seria a rainha do lar.

Retrato de Senhora, Henrique Bernardelli

A mãe dedicada e atenciosa era um ideal de mulher que só podia ser plenamente atingido na família burguesa, Os cuidados e a supervisão da mãe passaram a ser muito valorizados. Era louvável que as próprias mães se encarregassem da primeira educação dos filhos, não os deixando sob os cuidados de amas, principalmente de escravas negras.

Dessa forma os médicos, os educadores e a própria imprensa procuraram preparar a mulher para o papel de guardiã do lar e da família. Combatia-se duramente o ócio feminino, sugerindo que as mulheres se dedicassem de corpo e alma aos afazeres domésticos e se desdobrassem nos cuidados para com o marido e os filhos.

Fiel retrato do interior de uma casa brasileira, Joaquim Cândido Guillobel

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Considerada como a base moral da sociedade, a mulher de "boa família", esposa e mãe burguesa, deveria ainda zelar pela sua castidade e pela das suas filhas.

A par dessas recomendações às mulheres das elites, o Estado desencadeou uma série de ações para controlar as camadas populares. Isso era feito em nome da saúde, da segurança e da moralidade. A ordem pública contribuiria para a preservação da honra das mulheres pertencentes às classes médias e altas da população.

Nesse modelo burguês de família, o casamento era usado como um meio de ascensão social. A mulher casada tinha também a função de contribuir para a mobilidade social da sua família. Isso podia ser feito através de um comportamento adequado quando ela aparecia em público ou quando recebia visitas. Nessas ocasiões tinha de desempenhar o papel de esposa e mãe exemplar. Suas filhas, como moças de boa família, poderiam encontrar bons casamentos, contribuindo para a ascensão social da família.

Essa mulher estava, portanto, destinada ao casamento. As que não se casavam melhor seria que fossem para um convento, preservando assim, o "bom nome" da família.

Nesse tipo de casamento, estava presente o interesse de conservar e ampliar o patrimônio econômico da família e mesmo a sua influência política. Tanto que a mulher tinha de ter um dote, o qual se confundia com a própria honra da pretendente ao casamento. Em outras palavras, a moça sem dote não podia ser honrada.

As moças candidatas ao casamento deviam aparecer sempre bem cuidadas e manter a castidade. Isso exigia rigoroso controle sobre o comportamento delas.

Família brasileira a passeio, Joaquim Cândido Guillobel

Conservar a honra da família era também zelar pelos seus interesses políticos e econômicos. A virgindade feminina era requisito fundamental para o casamento nas classes altas, independentemente de ser ou não valorizada por si mesma. Ela servia para manter a condição da noiva como objeto de valor econômico e político. A continuidade da família e a herança dos descendentes dependiam dela.

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 248-251.

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