Acrópole, Leo von Kleuze
As cidades são, com efeito, inúmeras na Grécia, mas frequentemente de ínfimo tamanho. Em caso de invasão, fornecem ao elemento rural da planície o abrigo de suas muralhas e de sua cidadela. Em tempos de paz, animam-se apenas nos dias de mercado, assembléia e festa religiosa. [...]
Esparta, que tanto surpreendia os
antigos, também os escandalizava por sua aparência pobre. Oferecia alguns
monumentos à apreciação dos visitantes, bem pouco numerosos, pois se tornara
pouco hospitaleira no século VI a.C., assim continuando em seguida. [...]
Seus cidadãos levavam, dos 7 aos
30 anos completos, a vida de caserna, primeiro em organizações pré-militares e
depois como soldados: dos 30 aos 60,
a de reservistas constantemente em estado de alerta,
prontos a responder no próprio dia ao apelo de mobilização. Além disto, eram
obrigados, salvo permissão excepcional, a tomar refeição da tarde juntamente
com os que, em caso de campanha, seriam seus companheiros de tenda. Qualquer
ocupação lucrativa e qualquer trabalho, afora os exercícios físicos e
militares, eram-lhes vedados. O Estado apenas cunhava moedas de ferro, e o
verdadeiro espartano não devia possuir metais preciosos. A contribuição em gêneros
dos ilotas e de seu domínio territorial bastava, em teoria, para mantê-lo, bem
como à sua família, na sociedade.
O rigor dessa disciplina militar
e social multiplicava, ao lado e abaixo da categoria dos “iguais”, isto é, dos únicos
cidadãos perfeitos, as categorias inferiores: no campo, os ilotas; na periferia
do território lacedemônio, os “periecos” que, agrupados em pequenas cidades, se
entregavam à agricultura livre, ao artesanato e ao comércio; na própria
Esparta, os “inferiores”, isto é, os cidadãos degradados, os bastardos, os
libertos e muitos outros, cujo ideal era o retorno ou o ingresso na classe dos
iguais. Mas, para tanto, fazia-se mister uma decisão das autoridades e,
principalmente, visto que a pobreza, condenando ao trabalho, constituía um vício
incompatível com a presença entre os privilegiados, o usufruto de um domínio
obtido por herança ou casamento com uma herdeira de bom dote.
[...] Basta evocarmos os aspectos
anormais da vida familiar: o celibato freqüente e a manutenção, no lar do primogênito,
dos filhos mais novos privados de terras e ilotas; a restrição voluntária dos
nascimentos [...], a falta de homens [...]; os meninos retirados aos pais e a
educação integral por conta do Estado; a autoridade exercida pela mulher numa
família cujo chefe está mais amiúde ausente e cuja subsistência ela garante ou
completa, graças à sua fortuna ou ao seu trabalho.
Acrescentemos a monotonia dos
dias. Proporcionam-se apenas, em tempos normais, as alegrias másculas, mas
limitadas, do ginásio, do campo de manobra e do refeitório. Só incidentalmente é
esse ritmo rompido por uma caçada cujo produto reforça, à noite, o repasto do
grupo de caçadores; e, sobretudo, em datas regulares, pelas festas religiosas
celebradas com escrúpulo, segundo ritos que o arcaísmo torna estranhos e que se
regulam pela evolução alternada de coros que entoam as estrofes dos antigos
poetas. Imobilizada em tradições mantidas com orgulho, quase sem contato com o
mundo externo, ao qual está ligada apenas por péssimas estradas ou pelo pequeno
porto de Giteion [...] Esparta em nada contribuiu para o florescimento da
civilização grega.
Uma única região do campo ático
conhecia outra forma de vida, diferente do quadro rural [...]: o maciço do
Lourion, ao sul da península. A exploração das jazidas de chumbo argentífero
determinou aí uma concentração humana, cuja importância variou segundo a
atividade ou a negligência da administração, a riqueza ou o esgotamento dos filões
conhecidos.
Proprietários das concessões, o
Estado ateniense arrendava-as aos exploradores, reservando-se o monopólio da
prata obtida após o tratamento do minério. Capitais assaz importantes eram
consagrados a essa exploração pelos arrendatários, que deviam cavar as
galerias, fornecer o material e a mão-de-obra, nesse caso representada por
escravos. [...].
É fácil imaginar [...] a lamentável
sorte desses escravos mineiros, pois os concessionários, preocupados unicamente
com o lucro imediato, não poupavam certamente a sua força de trabalho [...]. Uma
técnica defeituosa fazia-os trabalharem com ferramentas rudimentares, em
galerias estreitas, iluminadas por meio de fumarentas lâmpadas de óleo. Além
disso, em meio a uma paisagem de desolação – pois o minério, ao qual se mistura
o enxofre, libera, ao ser fundido, vapores que destroem a vegetação -, viviam
alojados em sórdidos acampamentos, sem família, a fim de evitar despesas
suplementares de alimentação. Esses miseráveis são tentados pela fuga [...].
Na cidade, com efeito, embora
existam escravos, é certo também que jamais se acham aglomerados em grandes
massas. Em sua maioria, trata-se de escravos domésticos, muito disseminados. Uma
casa servida por cerca de vinte escravos causa a impressão de extraordinária
suntuosidade. Não possuir escravo algum é, em compensação, sinal de grande miséria.
Mas um lar normal raramente conta com mais de três ou quatro, principalmente
mulheres. Misturados à vida familiar, esses cativos não são maltratados. A
presença quase constante da esposa limita certos abusos do dono da casa. Não é
rara a dedicação recíproca, no caso da ama ou do “pedagogo” que acompanhou o
rapaz em seus passeios, zelando por sua educação e instrução. Toleram-se uniões
entre escravos de uma mesma casa, e a mãe escrava cria seu filho que, é certo,
desconhecerá a liberdade, tal como seus pais. A indústria e o artesanato
utilizam também o trabalho servil. Mas a maior empresa de que temos notícia,
uma fábrica de armas em tempo de guerra, não conta mais de 120 escravos. [...]
A oficina padrão, frequentemente representada em pinturas de vasos, é a do
artesão, ferreiro, fundidor ou ceramista, que trabalha juntamente com alguns
escravos. Entre esses e o senhor, a vida quotidiana e o trabalho comum estabelecem
relações marcadas por simpatia humana.
[...]
Assim, tende a diminuir a
barreira real entre os homens livres pobres e os escravos. Esses usam apenas os
cabelos um pouco mais curtos, não se distinguem por qualquer traje especial, e
muitos são gregos puros que devem sua servidão exclusivamente aos azares da
guerra. [...] A lei os protege contra as brutalidades de terceiros e limita a
cinquenta açoites os castigos corporais a que os magistrados os podem condenar,
em caso de delito. Se tiverem motivos de queixa contra a crueldade de seus
senhores, podem refugiar-se em certos santuários e pedir para serem postos à
venda [...].
A população livre compreende, do
ponto de vista jurídico, duas categorias de pessoas: os metecos e os cidadãos.
Os primeiros são estrangeiros
domiciliados na cidade. Sob esse e outros nomes [...] encontram-se em quase
todas as cidades gregas, salvo em Esparta [...] e [...] nas cidades muito
atrasadas, de economia exclusivamente rural. Em parte alguma, tanto em valor
absoluto quanto em valor relativo, são tão numerosos como em Atenas, onde a
proporção é quase de um meteco para dois cidadãos [...]. Isso porque a reputação
artística e intelectual da cidade, bem como sua atividade econômica, atrai os
que se querem instruir ou tornar conhecidos, os homens de negócio
empreendedores, os profissionais laboriosos que procuram um ganha-pão.
Acolhidos com benevolente
hospitalidade, não se sentem humilhados por uma discriminação injuriosa. Excluídos
dos direitos políticos e também da propriedade imobiliária, pagando anualmente
uma taxa módica, são eles, de fato, no tocante ao resto, assimilados aos cidadãos,
sujeitos aos mesmos encargos militares e fiscais, gozando de grandes
facilidades para praticar seus cultos particulares, mas admitidos à celebração
das festas religiosas oficiais, protegidos, enfim, pela lei, em suas pessoas e
em seus bens.
Exercem as mais variadas profissões,
liberais, artesanais ou mercantis. Não há, por assim dizer, um artista, um
homem de letras ou de ciência que, sendo grego e não ateniense, não tenha
passado uma parte mais ou menos importante de sua vida em Atenas. [...] o que
constitui a glória e a prosperidade de Atenas é, em grande parte, obra dos
metecos.
AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine.
O Oriente e a Grécia Antiga: o homem no
Oriente Próximo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p.189-194.
(História Geral das Civilizações, v. 2)
NOTA: O texto "A vida material e social na Grécia Antiga: as sociedades urbanas" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.