Dança da guerra, Thomas John
Grant
Os europeus, convencidos há muito tempo da unidade espiritual do gênero humano e da superioridade do estado da natureza pura, interessaram-se vivamente pelos indígenas da Oceania. Bougainville e Cook observaram-nos com um interesse apaixonado. Os dois Forster, que acompanharam Cook na sua terceira viagem, criaram assim, com Buffon, a ciência da formação e da classificação das raças, a etnologia.
Os europeus julgaram encontrar-se
em presença de raças primitivas, das próprias origens da humanidade. É certo
que as tribos se achavam em toda parte na idade da pedra e que os seus utensílios
lembravam os dos tempos pré-históricos. Tratava-se, na realidade, não de
primitivos, mas de povos que haviam sofrido uma longa evolução, e que, na sua
maioria, já haviam conhecido uma civilização superior, encontrando-se em plena
regressão à chegada dos europeus.
Com efeito, parece que todos
estes povos constituem raças originárias da Ásia Meridional, as quais, vencidas
por outras, teriam fugido na direção indicada pelas migrações de certas aves. Ao
chegarem aos territórios onde se iam estabelecer, de recursos limitados por se
encontrarem isolados há muito tempo dos outros continentes, dispunham de poucas
espécies vegetais, de poucos mamíferos. Além disso, por causa da exigüidade das
ilhas, teriam rapidamente deparado com obstáculos provenientes da superpopulação,
da dificuldade de alimentação, e, portanto, achavam-se expostos a guerras contínuas,
à prática do aborto, do infanticídio e do canibalismo, assim como às preocupações
imediatas e absorventes com a comida. Foi neste estado que os europeus os
encontraram, com tal receio da superpopulação que, em toda parte, o número de
habitantes diminuía devido à restrição voluntária dos nascimentos. Não é de
espantar, portanto, que as civilizações não se tenham desenvolvido ou hajam
mesmo regredido. Levando em conta este declínio, assim como os cruzamentos e as
influências recíprocas, pode admitir-se que a Oceania tenha sido, de certa
maneira, um “conservatório de raças”.
Os únicos povos a que poderia
atribuir-se, segundo parece, o nome de primitivos eram os tasmanianos e os
australianos, que se encontravam nos escalões mais inferiores da espécie
humana.
Grupo de nativos da Tasmânia, Robert Dowling
Os tasmanianos estavam no ponto
mais baixo. Fixados na ilha numa época em que o Estreito de Bass era transponível
mesmo pelos navegadores mais medíocres, no pleistoceno médio, antes do degelo
dos glaciares que elevou o nível dos mares e quintuplicou pelo menos a largura
dos estreitos, haviam vivido num estado de isolamento que é, para as civilizações,
a causa mais eficaz de estagnação e de regressão. A sua população, de cerca de
5.000 negróides de cabelos crespos, maxilares muito desenvolvidos, crânios
deprimidos, fortes arcadas supraciliares, constituía o conjunto de seres
humanos mais próximos dos símios; o seu crânio apresentava a elevação mediana
em forma de quilha que é uma das principais características simiescas. Os seus
utensílios colocavam-nos no estágio dos paleolíticos inferiores da Europa
Ocidental, chelense e acheulense. Ignoravam o vestuário, as casas, abrigavam-se
atrás de anteparos de ramagens, viviam da coleta e da caça sem cão. A sua
organização social era rudimentar: tinham apenas chefes temporários, eleitos. Acreditavam
na sobrevivência da alma e temiam os mortos. Possuíam mesmo certos traços de
uma religião superior, um monoteísmo: adoravam um espírito supremo, em relações
mal definidas com o céu e os fenômenos naturais. Desapareceram no século
seguinte.
MOUSNIER, Roland; LABROUSSE,
Ernest. O século XVIII: o último século
do antigo regime. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 373-375. (História
geral das civilizações, v. 11)
NOTA: O texto "Povos da Oceania: os tasmanianos" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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