"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Povos da Oceania: os tasmanianos

Dança da guerra, Thomas John Grant 

Os europeus, convencidos há muito tempo da unidade espiritual do gênero humano e da superioridade do estado da natureza pura, interessaram-se vivamente pelos indígenas da Oceania. Bougainville e Cook observaram-nos com um interesse apaixonado. Os dois Forster, que acompanharam Cook na sua terceira viagem, criaram assim, com Buffon, a ciência da formação e da classificação das raças, a etnologia.

Os europeus julgaram encontrar-se em presença de raças primitivas, das próprias origens da humanidade. É certo que as tribos se achavam em toda parte na idade da pedra e que os seus utensílios lembravam os dos tempos pré-históricos. Tratava-se, na realidade, não de primitivos, mas de povos que haviam sofrido uma longa evolução, e que, na sua maioria, já haviam conhecido uma civilização superior, encontrando-se em plena regressão à chegada dos europeus.

Com efeito, parece que todos estes povos constituem raças originárias da Ásia Meridional, as quais, vencidas por outras, teriam fugido na direção indicada pelas migrações de certas aves. Ao chegarem aos territórios onde se iam estabelecer, de recursos limitados por se encontrarem isolados há muito tempo dos outros continentes, dispunham de poucas espécies vegetais, de poucos mamíferos. Além disso, por causa da exigüidade das ilhas, teriam rapidamente deparado com obstáculos provenientes da superpopulação, da dificuldade de alimentação, e, portanto, achavam-se expostos a guerras contínuas, à prática do aborto, do infanticídio e do canibalismo, assim como às preocupações imediatas e absorventes com a comida. Foi neste estado que os europeus os encontraram, com tal receio da superpopulação que, em toda parte, o número de habitantes diminuía devido à restrição voluntária dos nascimentos. Não é de espantar, portanto, que as civilizações não se tenham desenvolvido ou hajam mesmo regredido. Levando em conta este declínio, assim como os cruzamentos e as influências recíprocas, pode admitir-se que a Oceania tenha sido, de certa maneira, um “conservatório de raças”.

Os únicos povos a que poderia atribuir-se, segundo parece, o nome de primitivos eram os tasmanianos e os australianos, que se encontravam nos escalões mais inferiores da espécie humana.

Grupo de nativos da Tasmânia, Robert Dowling

Os tasmanianos estavam no ponto mais baixo. Fixados na ilha numa época em que o Estreito de Bass era transponível mesmo pelos navegadores mais medíocres, no pleistoceno médio, antes do degelo dos glaciares que elevou o nível dos mares e quintuplicou pelo menos a largura dos estreitos, haviam vivido num estado de isolamento que é, para as civilizações, a causa mais eficaz de estagnação e de regressão. A sua população, de cerca de 5.000 negróides de cabelos crespos, maxilares muito desenvolvidos, crânios deprimidos, fortes arcadas supraciliares, constituía o conjunto de seres humanos mais próximos dos símios; o seu crânio apresentava a elevação mediana em forma de quilha que é uma das principais características simiescas. Os seus utensílios colocavam-nos no estágio dos paleolíticos inferiores da Europa Ocidental, chelense e acheulense. Ignoravam o vestuário, as casas, abrigavam-se atrás de anteparos de ramagens, viviam da coleta e da caça sem cão. A sua organização social era rudimentar: tinham apenas chefes temporários, eleitos. Acreditavam na sobrevivência da alma e temiam os mortos. Possuíam mesmo certos traços de uma religião superior, um monoteísmo: adoravam um espírito supremo, em relações mal definidas com o céu e os fenômenos naturais. Desapareceram no século seguinte.


MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. O século XVIII: o último século do antigo regime. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 373-375. (História geral das civilizações, v. 11)

NOTA: O texto "Povos da Oceania: os tasmanianos" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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