Aspecto pouco conhecido da sociedade brasileira foi a Operação Condor, oficializada em 1975 e conhecida na Argentina como Mercosul do terror. Com a adesão do Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, estabelecia o compromisso de cooperação entre os órgãos de repressão desses países para a captura ou eliminação de opositores políticos dos regimes ditatoriais nos Estados signatários e baseados na Doutrina de Segurança Nacional, elaborada pelo National War College (Colégio Nacional de Guerra), em Washington, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Os fundamentos da Doutrina de Segurança Nacional foram repassados aos militares latino-americanos que fizeram cursos na Zona do Canal do Panamá ou em fortes nos Estados Unidos. Esses fundamentos nortearam a criação dos Estados de Segurança Nacional dirigidos por ditaduras militares. Considerando que combatiam um inimigo comum - acusado de comunista -, os militares desses países permitiram que em seus territórios pudessem atuar agentes repressores para capturar os chamados subversivos ou comunistas.
Com essa integração militar repressiva, sucederam-se operações conjuntas de sequestros, torturas, prisões, fuzilamentos... Com a atuação desse verdadeiro sindicato internacional do terror, multiplicou-se a figura do desaparecido político: alguém que era sequestrado na rua ou em casa e desaparecia, anonimamente.
Segundo reportagem de O Globo, de 3 de janeiro de 1999,
"O general João Baptista de Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e que posteriormente se tornaria presidente do Brasil, foi um dos elementos vitais à coordenação da caçada aos opositores no Cone Sul."
A descoberta, no Paraguai, de centenas de documentos (cerca de duas toneladas) depositados nos chamados Arquivos do Terror, trouxe inúmeras certezas e conduziu a diversas questões polêmicas.
Comprovou-se que, efetivamente, houve estreita colaboração entre as comunidades de informação e segmentos das Forças Armadas do Brasil. Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Essas operações envolveram espionagem, sequestros, torturas e assassinatos de exilados políticos, dentre os quais personalidades de expressão. Foi o caso de Orlando Letelier e Carlos Pratts, antigos ministros no governo de Salvador Allende, presidente socialista chileno.
Segundo depoimentos constantes em órgãos da imprensa brasileira, até mesmo as mortes de Juscelino Kubitschek e João Goulart, apresentaram indícios suspeitos, sendo levantada a hipótese de ambos terem sido assassinados. De acordo com o Jornal do Brasil, de 7/05/2000,
"a família do ex-presidente [JK] foi pressionada pelo SNI a não investigar as causas do acidente, usando como arma de pressão as páginas finais de seu diário, que relatavam um romance secreto de Juscelino e brigas com sua mulher, Sara [...]. Assim como a morte de Juscelino, a de Jango também está cercada de fatos nebulosos, como a não realização de autópsia [...]."
Além do mais, foi suspeito o comportamento das autoridades militares brasileiras que sequer permitiram a abertura do caixão onde estava o corpo de Jango.
"O caixão estava fechado. Não se permitiu, nem às irmãs, nem à viúva, nem às autoridades políticas, nem a ninguém que abrisse o caixão." (Pedro Simon, senador PMDB-RS, in: Jornal do Brasil, de 13/05/2000.)
Também veio à baila informação da presença de militares brasileiros nos golpes que levaram à deposição de Juan José Torres, na Bolívia (1971), e de Salvador Allende, no Chile (1973).
Depoimentos de antigos exilados brasileiros confirmam torturas e sequestros realizados por militares que falavam português, seja no Uruguai, seja na Argentina, seja no Chile. Assim aconteceu em 1973 com o ex-major do Exército Joaquim Pires Cerveira, sequestrado em Buenos Aires e visto pela última vez, com vida, em dependências do DOI-CODI-RJ.
Segundo documentos dos arquivos da polícia secreta paraguaia, no período de 1975 a 1979 funcionou em Manaus, no Amazonas, um centro de treinamento de agentes da repressão. No local, havia cursos de especialização em inteligência, inflitração, perseguição e tortura.
Sabe-se ainda, que, no Colégio Militar, em Belo Horizonte, presos políticos eram usados como cobaias em aulas de aprendizagem de tortura.
Deve ficar claro que a Operação Condor envolveu um conceito estratégico-chave: a defesa do hemisfério sem levar em conta fronteiras territoriais. Na verdade, houve a aplicação do conceito de existir apenas uma fronteira ideológica.
Diante de tantas vidas ceifadas brutalmente, lembrando práticas nazistas na Europa, vem-nos à memória um poema de Pedro Tierra.
"América,
de tuas veias abertas
arrancarei meu ritmo:
grito de meninos traídos,
pássaros,
vulcões,
desertos,
ruas de medo,
povos saqueados!
Na pele, a parede guarda
histórias inúteis,
massacres sem testemunhas.
A parede cerca
de silêncio
a dor do povo [...]
Golpeio a memória da terra.
Recolho o sangue dos esquecidos.
Com cravos escuros martelo
A margem da lembrança
Nos olhos vazados da América."
("Tempo subterrâneo", poema de Pedro Tierra, in: Poemas do povo da noite. São Paulo: Editorial Livramento, 1979. p. 117.)
AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais: da crise do escravismo ao apogeu do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 794-797.
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