"Lendo as cartas dos jesuítas dirigidas aos seus superiores na Europa, podemos notar a preocupação que tinham em mudar os hábitos indígenas.
O padre Nóbrega, que veio com o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza (em 1548), diz:
'A lei que lhes hão de dar é defender-lhes de comer carne humana e guerrear sem licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois têm muito algodão, ao menos depois dos cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos: fazê-los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre os cristãos [...]'
É claro que o padre Nóbrega acreditava estar fazendo o melhor para os índios, trazendo-lhes aquilo que considerava ideal para qualquer povo. Mas todos os hábitos mencionados na carta faziam parte da cultura indígena e, portanto, a mudança deles significaria a destruição do seu modo de vida e da sua identidade enquanto povo.
Para entender melhor essa situação, imagine se, de repente, sofrêssemos uma invasão de outros povos e tivéssemos que aprender a falar uma outra língua, abandonar certos costumes, como jogar futebol ou dançar no Carnaval, para fazer coisas que não tivessem nenhum significado e que nenhum brasileiro compreendesse. [...]
É importante notar que houve reação por parte dos indígenas. Assim que passou o momento de surpresa entre a chegada daqueles homens diferentes que vinham do mar e logo que os índios perceberam a intenção de dominar dos europeus, a resistência começou a se dar.
A união de tribos em confederações para guerrear contra os europeus e o ataque constante [...] foram fatos habituais daquele período. Entretanto não foram suficientes para impedir a conquista [...]
No Brasil, os conhecimentos indígenas, tão úteis aos europeus durante o primeiro contato, não foram valorizados durante a colonização, período em que os nativos eram vistos apenas como seres ignorantes e infiéis. Também são pouco reconhecidos na atualidade os hábitos e costumes indígenas que foram incorporados a nossa cultura, como, por exemplo, a forma de plantar e preparar certos alimentos.
Desde o início algumas pessoas se mostraram contra a crueldade a que os índios eram submetidos e com os seus direitos. Muita coisa mudou até os nossos dias em relação aos direitos indígenas. Mas essa é uma luta que continua, pois ainda hoje as tribos sobreviventes continuam envolvidas em questões de posse de terra e das riquezas nela contidas.
A dificuldade de olhar o diferente continua existindo até hoje. A referência para avaliar o outro tende a ser o que nós somos. Conhecer os usos e os costumes de vários povos, comparar uns com os outros pode-nos ajudar a entender que as culturas não devem ser julgadas melhores ou piores, mas que apenas são diferentes.
A gravura acima, de Théodore de Bry, refere-se aos hábitos alimentares de índios na Bahia, e foi feita com base nas descrições do aventureiro alemão Aldenburg, que aqui esteve a serviço dos holandeses. Observe que a imagem foi construída do ponto de vista europeu.
A grande aventura que se pode viver através da história é perceber a diversidade cultural existente no mundo."
SCATAMACCHIA, Maria C. Mineiro. O encontro entre culturas. São Paulo: Atual, 1994. p. 38-40.
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