"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Os bastidores da 1ª Guerra Mundial (1914-1918)

Prisioneiros alemães, Frederick Varley

Texto 1.  No momento em que a guerra começou, poucos ousaram se opor a ela. Entre as vozes solitárias estavam o filósofo britânico Bertrand Russell (que pagou uma multa de cem libras por fazer propaganda antiguerra) e o físico alemão Albert Einstein. Surpreso com o apoio popular à guerra, Einstein escreveria ao autor francês Romain Rolland: "Nosso governo é mais moderado que o povo".

A guerra também dividiu o movimento sindical e socialista, tradicionalmente contrário a conflitos internacionais. A maioria dos socialistas na Alemanha, Áustria, França ou Bélgica apoiou seus governos. Os pacifistas, sob a liderança dos bolcheviques russos, organizaram uma conferência em 1915, na Suíça, e adotaram o nome de comunistas. O texto final da conferência dizia: "Hoje, mais do que nunca, devemos nos opor às pretensões imperialistas dos governos e lutar pelo fim desta guerra [...] que provocou misérias tão intensas entre os trabalhadores de todos os países". BRENER, Jaime. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Ática, 2004. p. 16. (Retrospectiva do Século XX)

Texto 2. Muitas pessoas devem se perguntar quem eram os trabalhadores da indústria, uma vez que grande parte da população estava envolvida na guerra, inclusive civis. Os operários convocados para a guerra eram substituídos por estrangeiros vindos das colônias e, sobretudo, por mulheres, que passaram a compor grande parte da massa trabalhadora. Na França, elas trabalhavam para atender às necessidades da população urbana, por exemplo, trabalhando como motoristas de trens e ambulâncias, além de trabalharem como operárias na indústria bélica, atividades que lhes proporcionaram autonomia e contribuíram para transformar a forma como a sociedade estava organizada.


Casa de Ypres, A. Y. Jackson

* O cotidiano da população civil - A economia de guerra também envolvia uma política de racionamento de alimentos que atingia seriamente a população civil. A dificuldade de produzir e distribuir alimentos, aliada à política de priorizar as atividades voltadas para a guerra, trouxe como consequência imediata a escassez de alimentos e o aumento dos preços. A insuficiência alimentar provocava a carência de vitaminas e nutrientes, atingindo principalmente as crianças e os idosos. Diante desse quadro, doenças como tifo, escorbuto e tuberculose disseminavam-se com facilidade. Nas cidades se tornou comum as pessoas cultivarem hortas caseiras na tentativa de suprir as carências alimentares. Nas famílias, às dificuldades do cotidiano se somavam a angústia e o medo de receber telegramas que noticiassem a morte de entes queridos que estavam na guerra. Havia ainda o pavor dos bombardeios noturnos dos zepelins ou dos aviões que atacavam as cidades atingindo a população civil.


Uma mulher olhando para um cemitério à beira da estrada, George Edmund Butler

* O cotidiano nas trincheiras - Nas trincheiras da guerra, a nova tecnologia de artilharia - canhões, morteiros e lançadores de projéteis - era largamente utilizada, resultando em uma quantidade de mortos e feridos sem precedentes nas guerras, daí o número espantoso de amputações entre os combatentes. As terríveis condições de vida nas trincheiras, onde os soldados confinados enfrentavam diariamente suplícios como dor, fome, sede, doenças, frio, privação do sono, além de conviverem com o odor insuportável dos excrementos e dos cadáveres em putrefação, provocaram um incontável número de combatentes abalados por doenças psicológicas, como as neuroses de guerra. Depoimentos de soldados revelando o cotidiano nas trincheiras ajudaram a destruir a visão construída pela ideologia belicista de uma guerra gloriosa e patriótica.¹ ² ³ ALVES, Alexandre; OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. Conexões com a História. São Paulo: Moderna, 2010. p. 51-52.

Documento 1 a. "Estamos tão exaustos que dormimos, mesmo sob intenso barulho. A melhor coisa que poderia acontecer seria os ingleses avançarem e nos fazerem prisioneiros. Ninguém se importa conosco. Não somos revezados. Os aviões lançam projéteis sobre nós. Ninguém mais consegue pensar. As rações estão esgotadas - pão, conservas, biscoitos, tudo terminou! Não há uma única gota de água. É o próprio inferno! De uma carta encontrada no bolso de um praça alemão na batalha de Somme. In: MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História Contemporânea através de textos. São Paulo: Contexto, 2011. p. 120. (Textos e documentos, v. 5). 

Documento 1 b. ""O campo de batalha é terrível. Há um cheiro azedo, pesado e penetrante de cadáveres. Homens que foram mortos no último outubro estão meio afundados no pântano e nos campos de nabos em crescimento. As pernas de um soldado inglês, ainda envoltas em polainas, irrompem de uma trincheira, o corpo está empilhado com outros; um soldado apóia seu rifle sobre eles. Um pequeno veio de água corre através da trincheira, e todo mundo usa a água para beber e se lavar; é a única água disponível. Ninguém se importa com o inglês pálido que apodrece alguns passos adiante. No cemitério de Langemark, os restos de uma matança foram empilhados e os mortos ficaram acima do nível do chão. As bombas alemãs, caindo sobre o cemitério, provocaram uma horrível ressurreição. Num determinado momento, eu vi 22 cavalos mortos, ainda com os arreios. Gado e porcos jaziam em cima, meio apodrecidos. Avenidas rasgadas no solo, inúmeras crateras nas estradas e nos campos." Relato do soldado alemão Rudolf Binding. In: MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História Contemporânea através de textos. São Paulo: Contexto, 2011. p. 119. (Textos e documentos, v. 5).

Documento 2. A revolução permanente é uma utopia; a guerra permanente é uma realidade. 1914-1985: Primeira Guerra Mundial, Guerra do Rif, Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial, guerras da Indochina, da Coréia, do Vietnã, da Argélia, a chamada "Guerra Fria"... citando as principais. A guerra, sempre presente no pensamento humano. Recordações heróicas, vergonhas, lembranças reconstruídas; momentos abominados ou privilegiados, onde era permitido, ordenado matar. Os livros de história falam de horrores, dos sofrimentos, das vítimas da guerra. Jamais de seus prazeres, de suas alegrias. Alegria de matar, de saquear, de violar, de humilhar. A guerra pertence à vida privada [...]. VINCENT, Gérard. Uma história do segredo? In: Philippe Ariès e Georges Duby, dirs. História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.  v. 5. p. 201.

Documento 3. Os tanques, antes objetos de troça, transformaram-se em armas terríveis. Desenvolvem-se em longas filas blindadas, e, aos nossos olhos, personificam, mais do qualquer coisa, o horror da guerra.

[...] estes tanques são máquinas; suas esteiras giram sem parar, como a guerra; são portadores da destruição, quando descem insensivelmente para as crateras e sobem novamente sem parar, como uma frota de encouraçados, rugindo, soltando fumaça, indestrutíveis bestas de aço, esmagando mortos e feridos [...].

Granadas, gases venenosos, esquadrões de tanques, coisas que esmagam, devoram e matam. HENRIQUE, Erich M. Nada de novo no front. São Paulo: Abril Cultural, 1981. p. 222-223.

Texto 3.  Mas como foi que o cidadão comum, fosse ele alemão, francês ou sérvio, reagiu à perspectiva da guerra? O fato é que as tensões pré-guerra haviam sido exploradas, em toda a Europa, por forças políticas nacionalistas. [...] Grande parte da opinião pública europeia achava a guerra natural, essencial, ou simplesmente resignava-se à vista dos combates. A seguir, três descrições de reações populares à guerra, compiladas pelo médico e sociólogo francês Gustave Le Bon (1841-1931):

Este país tornou-se louco de alegria diante da perspectiva de uma guerra com a Sérvia e terá uma grande decepção se, por qualquer razão, não houver um conflito. Quando o povo soube do rompimento das relações diplomáticas com Belgrado, houve um delírio de alegria em Viena. Até a uma hora da madrugada, multidões circulavam nas ruas cantando músicas patrióticas [...]. (Do embaixador britânico na Áustria-Hungria)

Os camponeses partem para o front com incrível entusiasmo; e as classes superiores da sociedade, quer sejam liberais ou conservadoras, os aclamam, desejando-lhes boa sorte. Habitualmente, os camponeses sentiam que não tinham nada a fazer a não ser beber; mas agora não é mais assim. É como se a guerra lhes desse uma razão para viver. (De um observador russo)

Produziu-se uma verdadeira explosão de chauvinismo em Berlim [...]. Presume-se que a Alemanha responderá imediatamente às primeiras medidas militares da Rússia e não esperará qualquer pretexto para atacar. (Do embaixador francês na Alemanha) BRENER, Jaime. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Ática, 2004. p. 19. (Retrospectiva do Século XX)

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