A agricultura intensiva desenvolveu-se nas regiões montanhosas do México e nos Andes centrais ao longo dos 3 mil anos anteriores à conquista espanhola. Tudo indica que essa atividade agrícola conheceu o seu apogeu no período compreendido entre 1200 e 1500, através da formação do "Estado" asteca (centralizado no vale do México) e do "Império" inca, no Peru. A tecnologia e produtividade desenvolvidas por essas duas civilizações culminaram com o estabelecimento de uma sofisticada agricultura intensiva de mão-de-obra responsável pela produção do milho, como principal gênero alimentício (nas regiões mais elevadas do Peru e Bolívia, a batata) e de colheitas auxiliares, favas, abóbora, tomate e pimenta-malagueta. Os hábeis agricultores do Vale do México superavam as desvantagens decorrentes de precipitações pluviométricas insuficientes e instáveis utilizando a água proveniente do degelo das neves nas montanhas e maximizando as amplas bacias naturais formadas pela interligação dos lagos; no Peru, os agricultores utilizavam os rios dos vales montanhosos e os cursos de água que percorrem os vales ao longo da árida costa do Pacífico. Empregou-se a água para fins agrícolas por meio de canais de irrigação que, em turnos, demandavam elevados insumos de mão-de-obra na construção de eirados, frequentemente em vales de declives fortemente marcados, e na construção e manutenção de canais. Observadores espanhóis do século XVI ficaram profundamente impressionados pela habilidade em engenharia demonstrada pelos povos dos Andes centrais, da mesma forma que agrônomos do século XX impressionaram-se com a evidência arqueológica de técnicas de mudanças de cursos de água, de vale a vale, postas em prática na era anterior à conquista. No vale do México, observadores espanhóis maravilharam-se com o sistema de diques criados e mantidos de modo a não permitir que a água salobra penetrasse nas áreas de água doce e de agricultura chinampa intensiva.
Uma economia agrícola assim estabelecida certamente favorecia o crescimento demográfico. Nos Andes centrais, a população ameríndia pode ter alcançado cifras entre 3,5 e 6 (10, segundo alguns) milhões de habitantes, por volta de 1525. Para o México central, a análise demográfica recente sugere um contingente populacional em torno de 25 milhões de habitantes (1519). No milênio anterior a 1500, o crescimento populacional periodicamente pressionava em busca de maiores quantidades de alimentos, gerando conflitos inter-regionais e a conquista e consolidação das comunidades agrícolas sob a forma de blocos, blocos esses que acabariam por criar expressões culturais próprias, na arquitetura, nos centros administrativos e cerimoniais urbanos, na cerâmica, na tecelagem e escultura, em métodos de contagem do tempo, em práticas religiosas. Os colapsos periódicos, experimentados por essas civilizações de regadio, eram seguidos pela difusão de sua cultura material e intelectual e pelo seu reaparecimento em padrões subsequentes, forjados por novos centros culturais.
A sofisticação agrícola refletia-se na crescente estratificação, isto é, na formação de hierarquias: nobreza, soldados e elite religiosa, um grupo de comerciantes e hábeis artesãos voltados para a produção de bens orientados pela demanda da elite, e a grande massa de agricultores. A expansão de uma comunidade às expensas das vizinhas, o estabelecimento da hegemonia sob a forma de pagamento de um tributo anual ou de incorporação a um império integrado explicitavam o exercício de pressões sobre os agricultores situados na base da economia e da sociedade, pressões essas responsáveis pela eclosão periódica de revoltas por vezes bem-sucedidas. No século anterior à conquista, as civilizações de regadio encontradas pelos espanhóis no Vale do México e nos Andes centrais achavam-se dominadas por uma elite militarista, expansionista e cruel face aos dissidentes, dentro e fora dessas sociedades. Os astecas adotavam a prática de periodicamente submeter áreas dependentes recalcitrantes através de expedições militares encarregadas da imposição (ou do reforçamento) de tributos; por seu turno, a elite inca simplesmente desmantelava as comunidades rebeldes e forçava o seu restabelecimento em outras áreas sujeitas a controle mais eficiente. Os padrões de expansionismo e militarismo, os indícios de estratificação social, as tentativas das elites visando mobilizar e se apropriar de excedentes econômicos de seus povos (e de outros, submetidos) levam-nos a crer que, no momento em que se inicia a conquista da América Central e do Sul, a tecnologia agrícola atingira o seu limite máximo e, como ocorrera no passado, amplos aglomerados de comunidades achavam-se a ponto de se desintegrarem e se reunirem em novas comunidades, decorrência lógica da expansão demográfica e de uma produção agrícola inelástica.
STANLEY, J. S.; STEIN, B. A herança colonial da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 34-35.
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