"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 23 de julho de 2012

As artes nas sociedades indígenas

Não obstante a grande variedade de sociedades indígenas que viviam no Brasil, nenhuma delas chegou a desenvolver uma produção artística comparável à criada por outras nações que habitavam o continente antes da chegada dos europeus.

Mesmo assim, o mundo indígena existente no Brasil pré-europeu desenvolveu variadas e ricas manifestações artísticas na música, na dança, na pintura, na cerâmica, na plumária, na cestaria...

Índio adornado com plumas: cocar, braçadeiras e uma pena no nariz.

A arte plumária, cujas realizações mais belas coube aos tupinambás, expressou-se mediante o aproveitamento de penas e plumas obtidas na rica avifauna brasileira. Podia se expressar através da colagem de penas coloridas no corpo ou por meio de adornos feitos de penas, como cocares, colares, pulseiras, braceletes, cintas e faixas com penas enfiadas. Penas coloridas eram empregadas em orelhas e narizes perfurados.

Pictogramas na Cachoeira Resplendor (Pará), mostrando paleoíndios adornados com penas.

Os indígenas chegavam até a criar algumas aves para arrancar suas penas coloridas. Privilegiavam as araras vermelhas, pois o encarnado era a cor preferida da maioria das tribos. Os tupinambás criavam a guarajuba, ou papagaio-imperial, em cuja plumagem predominava a cor amarela.

Índios bororo, Jean Baptiste Debret

Contudo, chegaram a processos diversos para alterar a coloração das penas e plumas, como aquecê-las ou friccioná-las com a gordura de certos peixes ou a seiva de plantas.

A cerâmica não era conhecida por todas as tribos. Todavia, os tapajós, com a chamada cerâmica de Santarém e a denominada cerâmica marajoara, desenvolvida pelas comunidades indígenas da ilha de Marajó, constituem exemplos da variada e magnífica cerâmica indígena.

Em suas primeiras manifestações, as criações em barro cozido tinham fins utilitários: produzir vasilhames e recipientes diversos. Em etapa posterior - além de tijelas, moringas e panelas - também produziram urnas funerárias, vasos, jarros, potes, cachimbos e até bonecos. Estes foram feitos pelos tapirapé e carajá, os conhecidos licocós. Essas figurinhas femininas são modeladas com coxas e nádegas desenvolvidas.

Muitos desses objetos eram pintados em cores diversas e ornamentados com formas variadas.

A música, associada ao canto e às danças rituais, foi amplamente utilizada por todas as sociedades indígenas. Todavia, à medida que a colonização avançou, tendeu a ser transformada e/ou desapareceu.

Por quê?

Porque foi considerada manifestação diabólica, sobretudo pelos sacerdotes.

"Os jesuítas, assustados com o caráter selvagem do instrumental da música indígena - trombetas com crânio de gente na extremidade, flautas de osso, chocalhos de cabeças humanas etc. -, trataram de iniciar os catecúmenos nos segredos do órgão, do cravo e do fagote, que melhor se adaptavam à música sacra. Com o aprendizado desses instrumentos a estrutura natural da música dos indígenas, baseada em escalas diferentes da europeia e, portanto, geradora de um esquema harmônico igualmente diverso, perdia sua razão de ser [...]". (TINHORÃO, José Ramos. Música popular dos índios, negros e mestiços. Petrópolis: Vozes, 1972. p. 11.)

Os jesuítas, principalmente, perceberam que a catequese seria facilitada mediante o emprego da música. Por isso, usaram composições musicais europeias, escritas em língua tupi, para atrair os indígenas à Igreja católica. Um dos resultados foi o fim da original música indígena.

Mesmo assim, muitos dos 15 a 20 instrumentos musicais dos índios sobreviveram. Dentre eles, destacam-se trombetas, chocalhos ou maracás, tambores, assobios, rascadores de casca de tartaruga (reco-reco) e flautas (de osso, de cerâmica ou taquara).

Xamãs guaranis tocando maracás na dança que marcou a despedida do encontro de lideranças para lançamento da campanha "Povo guarani, grande povo"

O trocano era um instrumento de percussão usado como meio de comunicação. Tratava-se de um tronco de árvore percutido por varetas de borracha.

As máscaras constituíam impressionantes manifestações artísticas difundidas em cerimônias - rituais ou festivas - pelos tucanos, bacairis e demais tribos que viviam no Brasil.

"No princípio, talvez, a máscara tenha sido usada como disfarce para as caçadas.

[...] Em umas tribos, a máscara não permite o reconhecimento de seu portador por um espírito maléfico. Em outras, a função é inversa: a máscara serve para que a divindade reconheça o índio escondido e lhe transmita dons especiais.

Há certas cerimônias em que a máscara, no caso de iniciação (admissão dentro da vida adulta da tribo), representa um espírito obsceno, petulante, violento, que deseja se apossar do iniciando." (ARAÚJO, Alceu Maynard. Brasil - histórias, costumes e lendas. São Paulo: Editora Três, 1990. v. 2. p. 243.)

Na realidade, para os índios, as máscaras tinham uma função mágica. Por isso, sua ornamentação variava em função do objetivo, podendo ser inclusive zoomórfica. Da mesma forma podiam ser de casca de árvore, de cerâmica ou de peles de animais.

Desde criança os indígenas aprendiam a pintar e, quando atingiam a idade adulta, embora todos soubessem utilizar as tintas, geralmente cabia às mulheres a preparação das tintas aplicadas em objetos de uso da comunidade. Muitas vezes empregando o sumo de cascas de árvores, pintavam suas máscaras, bonecos de palha ou de barro, os trançados e a cerâmica em geral.

Além disso, a pintura corporal, bastante difundida no mundo indígena, constituía uma forma de embelezamento. A boca e o queixo, contudo, não eram pintados.

Índios pataxós: cocares e pintura corporal

A pintura corporal estava ligada igualmente a formas de comunicação, podendo representar o luto, o resguardo de uma mulher, uma doença. Mas também servia para expressar os diferentes grupos existentes na comunidade. Predominavam figuras geométricas e abstratas. Havia uma tendência em empregar tintas pretas, vermelhas e brancas, ainda que usassem o amarelo, o roxo-escuro e o azul.

Pintura facial. Índia Tapirapé

Dava-se grande importância à cor vermelha, obtida de sementes de urucu, de folhas de carajuru ou de argilas ricas em óxido de ferro.

[...]

Trabalhos em madeira (batoques, banquinhos, pentes, animais e raríssimas estátuas) e de trançados de palha (cestas, esteiras) representam outras manifestações artísticas dos indígenas brasileiros.

AQUINO, Rubim Santos Leão de et alli. Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 27-30.

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