O dever urgente de nossa América é mostrar-se
como é, una em alma e intento, vencedora
veloz de um passado sufocante, manchada
somente com o sangue arrancado às mãos na
luta com as ruínas e com o das veias que nos
deixaram abertas nossos donos.
José Martí, Nuestra América, 1891
Calcula-se que mais de 30.000 pessoas foram mortas durante a ditadura militar na Argentina
[Texto 1] No populismo, o principal motor e instrumento, o povo, é entendido como uma realidade homogênea, sem qualquer especificidade classista. [...] O termo populismo aplicou-se a diversos movimentos políticos e sociais ocorridos em diferentes países da África, Ásia, Europa e América, assumindo ênfase particular na América Latina, especialmente na Argentina, no Brasil e no México. [...] No populismo, [...] o conceito de povo não é racionalizado, predominando sempre a emotividade. Isso possibilita muitas vezes a associação do populismo ao nacionalismo, bem como a existência de líderes carismáticos. [...] Na América Latina, são tidos como governos populistas os de Vargas (1930-1945) e João Goulart (1961-1964), no Brasil; Perón (1946-1955) na Argentina; Lázaro Cárdenas (1934-1940) no México. O populismo apresenta uma grande diversidade, assumindo aspectos peculiares nos países em que surgiu, o que torna muito difícil - senão impossível - uma conceituação genérica, no tempo e no espaço, exceto, talvez, a de que esse fenômeno político é, essencialmente, urbano. AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 314.
[Texto 2] Entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, diversos países da América Latina reviveram uma de suas trágicas tradições históricas: a instauração de ditaduras militares. Esses países, desde a sua emancipação política, passaram por contínuas crises, fruto das instabilidades internas e de conflitos políticos e sociais. Refletindo a mudança ocorrida no próprio mundo capitalista, à dominação britânica sucedeu-se a exploração norte-americana.
Na América Central, a presença dos Estados Unidos começou a se verificar já no século XIX, por meio da imposição e deposição de governantes, conforme os interesses da Casa Branca. A dominação política, além de razões estratégico-militares, atendia também a interesses de empresas norte-americanas, que se tornaram proprietárias de imensas áreas de terras, nas quais produziam frutas e gêneros tropicais ou exploravam recursos minerais. As riquezas eram assim enviadas para fora, impedindo um desenvolvimento local auto-sustentado e voltado à maioria da população. Geralmente os capitais estrangeiros se associavam às elites locais. Estas formavam uma oligarquia privilegiada e repartiam entre seus integrantes todos os benefícios. Por isso mesmo, estavam muito pouco interessadas em alterar esse quadro e, para deter os grupos que lhes faziam oposição, usavam da violência sem nenhuma hesitação.
As ditaduras militares, instaladas na maioria dos países da América Latina, ocorreram em resposta ao crescimento das práticas populistas, que exacerbaram diversas contradições sociais. Durante o processo de industrialização desses países, ocorrido a partir dos anos 1930, formaram-se novos setores sociais, que se transformaram em agentes históricos importantes: de um lado, a classe operária, cada vez mais numerosa e atuante; de outro, a classe média, constituída por profissionais liberais, técnicos e trabalhadores especializados, além de funcionários públicos. Esses grupos faziam reivindicações aos governantes, visando sua participação nos destinos do país. Em razão das conveniências políticas, parte dessas demandas era atendida. Além disso, os governos, assumindo o papel de agentes da modernização, usavam um forte esquema de propaganda política, ressaltando seu compromisso com o desenvolvimento econômico. Para tanto, difundiam o mito da conciliação nacional, que procurava negar a ideia de confronto político entre as classes, e acenavam com reformas sociais. Com bases de sustentação heterogêneas e necessitando de apoio popular - cada vez mais importante para a sobrevivência dos líderes políticos, especialmente nos centros urbanos -, os governos começaram a fazer concessões, vistas com reserva pelos grupos dominantes, às camadas populares. Com o apoio de parte da classe média, as camadas populares intensificaram suas reivindicações, exigindo aprofundamento nos programas de reformas. Vários grupos de intelectuais e estudantes defendiam inclusive a ideia de uma revolução, considerada o único caminho possível para se promover, de fato, um desenvolvimento que atendesse à maioria do povo.
Nesse cenário de crescente enfrentamento, as elites, sob o pretexto de que fosse garantida a ordem, mais uma vez recorreram aos militares. Usando o bordão da necessidade de "eliminar a ameaça comunista", tão em voga na época, as ditaduras instalaram-se então em vários países do continente.
Esses governos ditatoriais, contando com a efetiva ajuda norte-americana e submetendo-se às imposições de vários organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), implementaram projetos de desenvolvimento econômico que levaram a expressivos índices de crescimento do PIB. Entretanto, como quase sempre faltava infra-estrutura para atender às novas demandas, capitais públicos passaram a ser investidos, por exemplo, na construção de ferrovias, rodovias, usinas hidrelétricas, em telefonia, siderurgia e outros setores. Quase sempre os capitais vinham de empréstimos estrangeiros, comprometendo os recursos resultantes das exportações. As consequências dessa política foram o endividamento externo e o uso dos recursos públicos em obras muito onerosas, o que fazia faltar dinheiro para a aplicação em setores como habitação, saúde e educação, exatamente num momento em que o crescimento populacional exigia aportes crescentes de recursos nessas áreas. Além disso, o setor das empresas estatais tornou-se muito forte, ganhando imenso poder dentro do próprio Estado.
Nos anos 1980, esse modelo entrou em colapso. A dívida externa exigia enormes sacrifícios para a obtenção de superávits comerciais, o que significou arrocho salarial e uma política fiscal que sacrificava a classe média. Apesar de todo o controle, a classe trabalhadora ampliava seu grau de mobilização, exigindo do governo melhores condições de vida. O uso da violência, particularmente da tortura, para combater a oposição, desgastara os governos diante da opinião pública mundial, e internamente os setores oposicionistas encontraram espaço para expandir-se. Setores que haviam dado sustentação aos regimes militares começaram a questionar se eles de fato eram convenientes na nova conjuntura mundial.
Unámonos como hermanos
que nadie nos vencerá.
Si quieren esclavizarnos,
jamás lo podrián lograr.
La tierra será de todos
también será nuestro el mar.
Justicia habrá para todos
y habrá también libertad.
Luchemos por los derechos
que todos deben tener.
Luchemos por lo que es nuestro,
de nadie más ha de ser.
Luis Advis, Cantata de Santa Maria de Iquique
Foi nesse contexto que ganharam corpo as lutas pela redemocratização, com o fim da censura, a volta dos partidos políticos, a realização de eleições presidenciais. Aos poucos, foram se fortalecendo o discurso neoliberal e seu programa de modernização econômica, que prevê a diminuição do papel do Estado, sobretudo nas atividades econômicas, e o aumento da atuação do setor privado. A integração latino-americana à economia internacionalizada foi se impondo de diversas formas.
Brasil: campanha pela Anistia
Argentina, Chile, Peru, Brasil e México, cada um com suas especificidades, passaram por processos desse tipo. Vale lembrar que o Chile, antes que ali se instalasse uma das mais truculentas ditaduras do continente, havia experimentado, por curto período, um governo socialista, democraticamente eleito, tendo na presidência Salvador Allende, assassinado durante o golpe militar, em 1973. A Argentina, por sua vez, viveu o episódio da Guerra das Malvinas, travada contra a Inglaterra (1982), um momento decisivo para o fim dos governos militares.
Paredón, paredón, a todos los milicos
que venderon la nación
Estribilho popular de milhares de manifestantes de passeatas, ocorridas em Buenos Aires, em junho de 1982
Mais recentemente, vários países latino-americanos têm apostado em projetos de integração econômica como via de superação dos seus problemas sociais e econômicos. [...]
Cuba, Nicarágua e El Salvador tiveram trajetórias distintas na busca pelo socialismo.
"A História não admite erros".
Ernesto Che Guevara
Em 1959, guerrilheiros cubanos conseguiram pôr fim à ditadura de Fulgêncio Batista, implantando o primeiro governo socialista na América Latina. Como a atuação do novo regime contrariava os interesses capitalistas norte-americanos, o governo dos Estados Unidos, além de ações militares, impôs um pesado bloqueio econômico a Cuba. Diante dessas pressões, Fidel Castro acabou se aproximando da URSS, que, mediante uma política de subsídios econômicos, comprava o açúcar cubano e vendia ao país petróleo e outros produtos a preços mais baixos do que os praticados no mercado mundial. Isso levou o governo cubano a ter recursos para implantar uma grande reforma em toda a estrutura do país.
À medida que a situação econômica da URSS foi ficando mais difícil, impossibilitando a continuidade da política de subsídios, a economia cubana passou também a enfrentar problemas cada vez maiores. Na última década do século XX, esse quadro, aliado ao crescimento da oposição interna e ao aumento das tentativas de fuga da ilha por cubanos em busca de refúgio nos Estados Unidos, criou uma situação quase insustentável ao governo socialista, que iniciou um programa de reformas que admite a entrada de investimentos estrangeiros no país. [...]
A experiência nicaraguense com o socialismo foi ainda mais difícil. Embora tenham derrubado o ditador Anastácio Somoza do poder (1978), os socialistas não conseguiram instaurar um regime estável, capaz de implementar um projeto de construção de uma nova sociedade, pois, com a ajuda norte-americana, setores conservadores retomaram o poder nas eleições de 1989.
Em El Salvador, medidas repressivas conseguiram deter a luta dos grupos guerrilheiros de esquerda, que intensificaram sua ação a partir de 1979, levando o país a uma sangrenta guerra civil que se estendeu até 1992. REZENDE, Antonio Paulo; DIDIER, Maria Thereza. Rumos da história: história geral e do Brasil. São Paulo: Atual, 2005. p. 576-579.
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