As mulheres da classe mais
abastada não tinham muitas atividades fora do lar. Eram treinadas para
desempenhar o papel de mães e exercer as prendas domésticas. As menos
afortunadas, viúvas ou membros da elite empobrecida, faziam doces por
encomenda, arranjos de flores, bordados a crivo, davam aulas de piano e
solfejo, ajudando, assim, na educação da numerosa prole que costumava cercá-las.
Encontro de matronas, Debret
Tais atividades, além de não serem valorizadas, não eram
tampouco bem vistas socialmente. As mulheres que as exerciam tornavam-se alvo
fácil da maledicência masculina. Na época, era voz comum que a mulher não
precisava, nem devia, ganhar dinheiro. As pobres, contudo, não tinham escolha
senão garantir o próprio sustento. Eram, pois, costureiras e rendeiras,
lavadeiras, fiandeiras ou roceiras.
Estas últimas, na enxada, ao lado de irmãos, pais ou
companheiros, faziam todo o trabalho considerado masculino: torar paus,
carregar feixes de lenha, cavoucar, semear, limpar a roça do mato e colher. As
escravas trabalharam principalmente na roça, mas também foram usadas por seus
senhores como tecelãs, rendeiras, carpinteiras, amas-de-leite, pajens,
cozinheiras, costureiras, engomadeiras e mão de obra para todo e qualquer
serviço doméstico.
Lavadeiras, Rugendas
Até o período em que se deu a independência, as mulheres
viviam num cenário com algumas características constantes: a família patriarcal
era o padrão dominante entre as elites agrárias, enquanto nas camadas populares
rurais e urbanas, os concubinatos, uniões informais e não-legalizadas e os
filhos ilegítimos eram a marca registrada. A importância das cidades variava de
acordo com a função econômica, política, administrativa e cultural. O Rio de
Janeiro, graças aos portugueses que seguiram D. João VI em seu exílio tropical,
era a única cidade a contar com mais de 100 mil residências. A população
urbana, contudo, crescia desde o século XVIII, alimentando forte migração
interna (campo-cidade) e externa (tráfico negreiro e, depois desde 1850,
imigração europeia).
É bom não perder de vista, no entanto, que, de acordo com
vários viajantes estrangeiros que aqui estiveram na primeira metade do século
XIX (Saint-Hilaire, Debret, Rugendas, Maria Graham), a paisagem urbana
brasileira ainda era bem modesta. Com exceção da capital, Rio de Janeiro, e de
alguns centros em que a agricultura exportadora e o ouro tinham deixado marcas
- caso de Salvador, São Luís ou Ouro Preto -, a maior parte das vilas e cidades
não passava de pequenos burgos isolados, com casario baixo e discreto, como São
Paulo, Curitiba e Porto Alegre.
Mesmo na chamada Corte, o Rio de Janeiro, as mudanças eram
mais de forma que de fundo. A requintada presença da Missão Francesa pode ter
deixado marcas na pintura, na ornamentação e na arquitetura, mas as notícias do
jornal Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822) e Idade de ouro no Brasil
(1811-1823), órgãos da imprensa oficial, ou mesmo a inauguração do Real Teatro
de São João, onde artistas estrangeiros soltavam seus trinados, não eram
suficientes para quebrar a monotonia intelectual. Além do popular entrudo,
antecessor do nosso carnaval, e dos saraus familiares, o evento social mais
importante continuava a ser a missa dominical.
Contra esse pano de fundo encontraremos mulheres da elite
urbana, casadas com ricos homens de negócio, como, por exemplo, dona Ana
Francisca Maciel da Costa [...], exemplo de matriarca vivendo na Corte às
vésperas da independência. Seus salões foram descritos [...] como decorados com
gosto francês, o que incluía papéis de parede e molduras douradas, além de
móveis de origem inglesa e francesa. A neta da anfitriã, como boa filha da
elite local, falava francês e fazia progressos na língua inglesa.
O exemplo era raro, queixava-se em 1813 John Luccock,
afirmando que, pelo contrário, o pouco contato com a maioria das mulheres
costumava desnudar sua falta de educação e instrução. Sabiam ler - comentava,
amargo, só o livro de reza.
Debret confirmava o despreparo intelectual das mulheres de
elite. Até 1815, e não obstante a passagem da família real, a educação se
restringia a recitar preces de cor e calcular de memória, não incluindo a
escrita.
A ignorância, segundo ele, era incentivada por pais e
maridos, receosos da temida correspondência amorosa. Isso levou as brasileiras
a inventar um código de comunicação baseado em desenhos de flores. Cada flor
correspondia a uma ordem ou expressava um pensamento: o cravo significava
ciúme, a rosa, paixão, o lírio, castidade etc. A observadora Maria Graham
confirmou o mesmo uso entre senhoras de Pernambuco. Os namoros, na época,
evoluíam segundo esse código.
Apesar dos cuidados com esposas e namoradas, não era
exatamente seu pudor que impressionava os estrangeiros. Um visitante inglês
tinha sobre a moral das brasileiras um juízo bem diferente daquele que se podia
esperar de mulheres que teoricamente viviam escondidas dos homens: "Tanto
as casadas quanto as solteiras era a mesma coisa, ou seja, imorais e
ligeiras".
Em 1816, encontramos no Rio de Janeiro apenas dois colégios
particulares para moças. Entre as jovens de elite, o costume era aprender,
graças à visita de professores particulares, piano, inglês e francês, canto e
tudo o mais que as permitisse brilhar nas reuniões sociais. É no Rio de Janeiro
que vamos encontrar os "primeiros salões frequentados por damas".
Elas aí se entretinham em serões e partidas noturnas de uíste (jogo de cartas),
entretenimentos simples ou bailes e recepções. As danças se aperfeiçoavam com
mestres entendidos, responsáveis pela capacidade das alunas em exibir passos e
coreografias estudadas.
Além do professor de dança, outro modismo da época eram os
cabeleireiros, franceses, de preferência, responsáveis por penteados ousados e
cabeleiras ou perucas. É interessante observar que, nesse ambiente, as crianças
eram comumente levadas aos bailes com seus pais [...].
Outra forma de lazer já praticado pelas mulheres eram os
banhos de mar: escravas acompanhavam-nas com barracas, enquanto as sinhazinhas,
em roupas de banho escuras e compridas, soltavam suas tranças para nadar.
Senhoras e mucamas entravam juntas na água, onde passavam horas a espadanar.
[...]
As mulheres de elite eram aparentemente muito bem vigiadas.
Namoros se faziam na igreja, entre beliscões e pisadelas, ou às janelas, sob as
quais os aspirantes a namorado colocavam-se rentes - era o chamado "namoro
de espeque" -, murmurando palavras de amor. Observador, o viajante Carl
Seidler relata: "A igreja é o teatro habitual de todas as aventuras amorosas
na fase inicial... só aí é possível ver as damas, sem embaraços, aproximar-se
discretamente e até cochichar algumas palavras. A religião encobre tudo,
enquanto se faz devotamente o sinal da cruz pronuncia-se com igual fervor uma
declaração de amor. Escravos encarregavam-se de levar e trazer recados dos
amantes depois da missa".
DEL PRIORE,
Mary et alli. 500 anos de Brasil: histórias e reflexões. São Paulo:
Scipione, 1999. p. 10-13.
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