Em 1907 as epidemias tinham diminuído bastante na capital e em São Paulo. Oswaldo Cruz agora era elogiado: "Messias da Higiene", "Mestre Oswaldo"... Mas a sociedade brasileira do início do século XX continuava com uma grave doença: o racismo, a discriminação contra os negros. A abolição da escravidão não aboliu a ideia de que o negro era um ser inferior.
Nas Forças Armadas os pretos podiam entrar, mas os preconceitos também existiam. Principalmente na Marinha, que tinha a tradição de ser uma força de elite, dirigida por estrangeiros ou descendentes de estrangeiros. Foi justamente lá que os marinheiros negros resolvera dar um basta.
Num certo dia de 1910 a tripulação do encouraçado Minas Gerais assistiu a uma cena horrível: o marujo Marcelino foi castigado com 250 chibatadas, ficando com as costas em carne viva. A corda de linho molhado, com agulhas de aço, arrancou sangue e gritos da vítima.
Na noite do dia 22 de novembro daquele mesmo ano o presidente da República, Hermes da Fonseca, assistia a uma ópera de Wagner. Ela foi porém interrompida pelo barulho de bombardeios. Começava na baía de Guanabara a Revolta da Chibata.
Marinheiros revoltosos em 1910. João Cândido ao centro.
Dois mil marujos tinham-se amotinado. Mataram quatro oficiais e, com manobras que deixaram admirado um almirante inglês, levaram sete navios para fora da barra. João Cândido, o líder do movimento, apelidado por um jornalista de "Almirante Negro", definiu a posição dos companheiros de Marcelino:
- O governo tem que acabar com os castigos corporais, melhorar nossa comida e dar anistia para todos os revoltosos. Se não a gente bombardeia a cidade, dentro de 12 horas.
Não foi necessário. O governo, pego de surpresa, aceitou as exigências. Alegres e acreditando nas autoridades, a marujada depôs as armas, devolveu as belonaves, mas caiu na armadilha dos poderosos. O governo que havia concedido anistia aos revoltosos, logo voltou atrás. Sem maiores explicações, expulsou os marinheiros que considerava indesejáveis e prendeu os líderes do movimento. Isso provocou um novo levante, desta vez no Batalhão dos Fuzileiros Navais da Ilha das Cobras. A repressão foi violenta, como contou a revista A Careta anos depois,
Foi lá na ía das Cobras
Que se deu o sucedido:
Pegaro uns preso e meteram
Num baraco bem cumprido
E os sujeitos lá ficaram
Sufocado e espremido
Se sarvaram quatro ou cinco
Os de forgo mais cumprido
Mas pra esses assim mesmo
(Veja só que malvadez)
Puseram cal no buraco
Pra matá eles de vez
Mas os bichos resistiram
À tortura do xadrez
Vieram contá cá pra fora
O que o governo lhes fez
Na noite de Natal de 1910, quase cem marinheiros foram embarcados à força num navio, para serem levados à Amazônia. Lá, eles teriam que trabalhar nos seringais, de três da manhã às sete da noite. Nem todos chegaram ao fim da viagem: um motim frustrado levou sete deles ao fuzilamento, enquanto dois outros se jogaram no mar.
Manchete do jornal Correio da Manhã (27-11-1910) sobre o fim da Revolta da Chibata
Episódios como a Revolta da Chibata e da Vacina, massacres como o de Canudos, Contestado e Caldeirão não eram uma novidade na nossa história. Apesar de a Monarquia ter sido substituída pela República, a sociedade brasileira continuava muito dividida e desigual. A grande maioria do povo vivia mal e queria por isso mudar sua situação. Rebeldes como Lampião, Antônio Conselheiro, o Monge José Maria, o Beato Lourenço, Pata-Preta e João Cândido eram exemplos de que havia muita gente revoltada com as coisas erradas no Brasil.
RIBEIRO, Marcus Venício; ALENCAR, Chico. Brasil vivo 2: A República. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 43-44.
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