Xolotl, deus da mitologia asteca
O sol
e a lua
(mito asteca)
|
O primeiro sol, o sol de água,
a inundação levou. Todos os que moravam no mundo se converteram em peixes.
O segundo sol, os tigres
devoraram.
O terceiro, uma chuva de fogo,
que incendiou as gentes, arrasou.
O quarto, o sol de vento, a
tempestade apagou. As pessoas se transformaram em macacos e se espalharam
pelos montes.
Pensativos, os deuses se
reuniram em Teotihuacán.
- Quem se ocupará de trazer o
amanhecer?
O Senhor dos Caracóis, famoso
por sua força e por sua formosura, deu um passo adiante;
- Eu serei o sol - disse.
- Quem mais?
Silêncio.
Todos olhavam para o Pequeno
Deus Sifilítico, o mais feio e desgraçado dos deuses, e disseram:
- Tu.
O Senhor dos Caracóis e o
Pequeno Deus Sifilítico se retiraram para os montes que agora são as
pirâmides do sol e da lua.
Depois os deuses juntaram
lenha, armaram uma fogueira enorme e os chamaram.
O Pequeno Deus Sifilítico tomou
impulso e se atirou nas chamas. Em seguida emergiu, incandescente, no céu.
O Senhor dos Caracóis olhou a
fogueira com o cenho franzido. Avançou, retrocedeu, parou. Deu um par de
voltas. Como não se decidia, tiveram de empurrá-lo. Com muita demora subiu ao
céu. Os deuses, furiosos, o esmurraram. Bateram em sua cara com um coelho, uma
e outra vez, até que mataram seu brilho. Assim, o arrogante Senhor dos
Caracóis se transformou em lua. As manchas da lua são as cicatrizes daquele
castigo.
Mas o sol resplandecente não se
movia. O gavião de pedra voou até o Pequeno Deus Sifilítico:
- Por que não andas?
E respondeu o desprezado, o
purulento, o corcunda, o manco:
- Porque quero o sangue e o
reino.
Este quinto sol, o sol do
movimento, iluminou os toltecas e ilumina os astecas. Tem garras e se
alimenta de corações humanos.
|
O milho
(mito maia)
|
Os deuses fizeram de barro os
primeiros maias-quichés. Duraram pouco. Eram moles, sem força; desmoronaram
antes de caminhar.
Depois, tentaram com madeira.
Os bonecos de pau falaram e andaram, mas eram secos; não tinham sangue nem
substância, memória ou rumo. Não sabiam falar com os deuses, ou não
encontravam nada para dizer a eles.
Então os deuses fizeram de
milho as mães e os pais. Com milho amarelo e milho branco amassaram sua
carne.
As mulheres e os homens de
milho viam tanto como os deuses. Seu olhar se estendia sobre o mundo inteiro.
Os deuses jorraram um hálito e
os deixaram com os olhos nublados para sempre, porque não queriam que as
pessoas vissem além do horizonte.
|
A cidade sagrada
(mito inca)
|
Wiracocha, que tinha afugentado
as sombras, ordenou ao sol que enviasse uma filha e um filho à terra, para
iluminar o caminho aos cegos.
Os filhos do sol chegaram às
margens do lago Titicaca e começaram a viagem pelas quebradas da cordilheira.
Traziam um cajado. No lugar onde afundasse o primeiro golpe do cajado,
fundariam um novo reino. Do tronco, atuariam como seu pai, que dá a luz, a
claridade e o calor, derrama a chuva e o orvalho, empurra as colheitas,
multiplica as manadas e não deixa passar nenhum dia sem visitar o mundo.
Por todas as partes tentaram
enterrar o cajado de ouro. A terra recusava, e eles continuavam buscando.
Escalaram picos e atravessaram
correntezas e planaltos. Tudo que seus pés tocavam ia se transformando:
faziam fecundas as terras áridas, secavam os pântanos e devolviam os rios a
seus leitos. Na alvorada, eram escoltados pelos gansos, e pelos condores ao entardecer.
Por fim, junto ao monte
Wanakauri, os filhos do sol enterraram o cajado. Quando a terra o tragou, um
arco-íris ergueu-se no céu.
Então o primeiro dos incas
disse à sua irmã e mulher:
- Convoquemos as pessoas.
Entre a cordilheira e o
altiplano o vale coberto de arbustos. Ninguém tinha casa. As pessoas viviam
em buracos e ao abrigo de rochedos, comendo raízes, e não sabiam tecer o
algodão nem a lã para defender-se do frio.
Todos o seguiram. Todos
acreditaram neles. Pelos fulgores das palavras e dos olhos, todos souberam
que os filhos do sol não estavam mentindo, e os acompanharam até o lugar onde
os esperava, sem ter ainda nascido, a grande cidade de Cuzco.
|
GALEANO, Eduardo. Nascimentos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Nenhum comentário:
Postar um comentário