Puritanos indo à igreja, Boughton
A família das colônias em muito se assemelhava às famílias europeias. Havia uma média de sete filhos por casa, com uma alta taxa de mortalidade infantil. A autoridade residia no pai, mas todos os membros da família deveriam trabalhar.
As mulheres tinham trabalhos dentro e fora de casa. Por suas mãos a família se vestia, comia e obtinha iluminação, tendo em vista que tecidos, alimentos e velas eram geralmente produção caseira. No século XVIII, as mulheres das colônias dificilmente ficavam solteiras, casando-se por volta dos 24 anos - bem mais tarde que as mulheres europeias do período. Já no século XIX, o autor francês Alexis de Tocqueville notaria que as mulheres da América eram muito mais liberadas do que as europeias.
A História tradicional preocupou-se pouco com a vida das pessoas anônimas, guardando para si os atos dos reis e figuras notáveis. Mesmo assim, por meio de poucos documentos, podemos reconstituir uma parte da vida cotidiana. O viajante francês Durant de Dauphiné descreveu, por exemplo, um casamento na Virgínia de 1765:
Havia cerca de cem pessoas convidadas, várias delas de boa classe, e algumas damas, bem vestidas e agradáveis à vista. Mesmo sendo o mês de novembro, o banquete realizou-se debaixo das árvores. Era um dia esplêndido. Éramos oitenta na primeira mesa e nos serviam carnes de todo o tipo e em uma abundância, que, estou seguro, havia suficiente para um regimento de quinhentos homens [...].
Prossegue o cronista relatando a falta de vinho, substituído por cerveja, cidra e ponche. Temos até a receita desse ponche: três partes de cerveja, três de brandy, um quilo e meio de açúcar e um pouco de noz-moscada e canela.
O banquete começava por volta das duas da tarde e durava até noite alta. As mulheres dormiam dentro da casa e os homens pela rua e no celeiro. Quase todos pernoitavam no anfitrião e retornavam para suas casas no dia seguinte.
As mulheres brancas gozavam de boa fama entre os viajantes que visitavam a América. Lord Adam, um inglês visitando os EUA em 1765, descreve-as como diligentes, excelentes esposas e boas para criar família.
Apesar dos elogios, as mulheres não tinham identidade legal. Sua vida transcorria à sombra do pai e do marido. O divórcio foi escasso nas colônias. A maior parte das mulheres casava-se uma única vez.
O universo puritano dividia a existência humana entre infância e idade adulta, sem intermediários. Assim, depois dos sete anos de idade, as crianças eram vestidas como adultos pequenos. Aprender a ler e escrever e o ofício dos pais era, basicamente, a educação que os pequenos recebiam. As crianças tinham várias tarefas na casa colonial, concebida como uma microcomunidade de trabalho.
Mesmo com o desenvolvimento do comércio e das atividades manufatureiras, grande parte da população ligava-se ao campo; a maioria dos homens, portanto, dedicava-se à agricultura.
Em uma cultura prática, os objetos também são, acima de tudo, práticos. Casas geralmente pequenas, camas compartilhadas por várias crianças. Banheiro exterior à habitação. Poucos móveis.
As roupas eram [...] confeccionadas em casa. A sociedade puritana, em particular, vestia-se sobriamente, com tons escuros. As jóias eram quase inexistentes. Quase todos os homens andavam armados.
A vida cotidiana nas colônias inglesas da América do Norte revela uma cultura voltada à função e não à forma. Nas igrejas coloniais ibéricas, quadros ornamentados, altares cheios de detalhes, pinturas - tudo destacava uma forma opulenta que devia levar a Deus. As igrejas da América anglo-saxônica eram despojadas, com bancos para os fiéis, um local elevado para a pregação do pastor (o púlpito) e um órgão. As igrejas puritanas, notadamente, tinham o destaque para o púlpito, ao contrário das católicas, que destacavam o altar.
Em um mundo que se dedicava pouco às diversões, o anglo-saxão costumava ligar trabalho e lazer. As reuniões festivas dos colonos tinham, quase sempre, um objetivo prático: construir um celeiro, preparar conservas etc. A festa misturava-se ao trabalho.
Batismo de Pocahontas, John Gadsby Chapman
Em 1759, o clérigo britânico Burnaby descreveu Williamsburg (na Virgínia) como uma cidade de duzentas casas, ruas paralelas, praça ao centro e construções de madeira. O autor destaca a simplicidade dos edifícios públicos, à exceção do palácio governamental. A cidade só ficava mais "animada" em época de assembléias, quando a população rural se destinava a ela.
Nos relatos da vida cotidiana nas colônias há um princípio prático que volta com insistência. Tanto na vida cultural como na econômica, as populações das colônias dedicaram-se pouco a atividades de especulação filosófica ou artística. Poucos documentos ilustrariam tão bem essa característica como uma carta de John Adams, em 1780. Residindo em Paris, escrevia ele:
Eu poderia encher volumes com descrições de templos e palácios, pinturas, esculturas, tapeçarias e porcelanas - se me sobrasse tempo. Mas não poderia fazer isso sem negligenciar os meus deveres... Devo estudar política e guerra para que meus filhos possam ter a liberdade de estudar matemática e filosofia, geografia, história natural, arquitetura naval, navegação, comércio e agricultura, a fim de que dêem a seus filhos o direito de estudarem pintura, poesia, música, arquitetura, estatuária, tapeçaria e porcelana.
Logo, na mentalidade de Adams, que não constitui uma exceção nas colônias, a guerra era o primeiro item, depois viriam as atividades econômicas e, por fim, quando tudo isso estivesse feito, sobraria o espaço para a arte formal propriamente dita.
KARNAL, Leandro (org.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010. p. 67-69.
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