Imagem 1: Estela funerária céltica.
[...] Heródoto, que escreveu em
meados do século V a.C. [...] menciona a presença dos celtas na Península Ibérica,
bem perto dos “últimos habitantes da Europa no Ocidente”. Sem dúvida, ele
escreveu que o Danúbio nasce entre os celtas e mais precisamente no Roussillon
atual. Mas este erro não condena sua dupla afirmação: o Danúbio nasce de fato
em região celta e os celtas, antes mesmo do fim da civilização de Hallstatt, já
se encontram na Espanha e em Portugal. Certos eruditos falam de celtas, ou
pelo menos de protoceltas, na idade do bronze, atribuindo-lhes, desde este
momento, migrações em direção a oeste. [...] Desde esta época, encontra-se nas
sepulturas o colar aberto que, para os Antigos, foi o símbolo distintivo do
celta: o torques, feito de uma haste
torcida de ouro ou bronze e terminado por bolas. Quanto à civilização de La Tène, nenhuma dúvida se
permite agora: ela é, por excelência, uma civilização celta [...].
Este nome de celta não pode
corresponder a qualquer realidade étnica. Os escritores e os artistas da
Antiguidade mostram-nos o tipo clássico do celta ou do gaulês: alto, vigoroso,
olhos azuis, abundantes cabelos louros ou ruivos. Há nisso muito
convencionalismo ou, ao menos, uma generalização abusiva do tipo predominante. Há
muito, desde o princípio do I milênio a.C., já não existia, em parte alguma,
uma raça pura, no sentido físico da palavra, e em todas as regiões, muito
diversas e distantes umas das outras, onde se estabeleceram, os celtas
misturaram-se, em maior ou menor escala, com as populações anteriores, por sua
vez já muito mestiçadas. [...]
[...]
A lingüística determina que o céltico,
pertencente ao grupo indo-europeu, encontra-se em relações diretas, de um lado,
com o germânico, e com o itálico, de outro. [...]
[...] o estudo dos topônimos,
hidrônimos e orônimos conduz os lingüistas ao reconhecimento de um máximo de
densidade indiscutivelmente céltica na Alemanha Ocidental, entre o Reno e o Danúbio.
Tomando apenas um exemplo, todos os afluentes da margem direita do Reno, do
Neckar ao Lippe, possuem nomes célticos. [...]
Imagem 2: Epona, Senhora dos Animais. Arte céltica.
Ora, esse povo mostrou-se,
durante alguns séculos ao menos, antes e depois dos meados do I milênio a.C.,
um dos mais expansivos que já existiram. Entre as grandes migrações dos
indo-europeus para o Oriente, no II milênio a.C., e a dos bárbaros, a partir do
século III de nossa era, as migrações dos celtas foram o maior fato humano
desta categoria e produziram conseqüências históricas importantes, muitas das
quais nos escapam, devido à falta de informações sobre a situação anterior. Transtornaram
o povoamento de certas regiões e destruíram, ou, ao menos, enfraqueceram impérios,
o poderio etrusco, por exemplo. Levaram a confusão e o terror a sociedades há
muito sedentárias e a civilizações já muito evoluídas. Nossa documentação não
deixa a menor dúvida sobre a amplitude dos danos praticados, bem como sobre a
impressão de desassossego produzida na Itália e, principalmente, no mundo helenístico.
O mundo civilizado de então experimentou, durante curto espaço de tempo, o
mesmo sentimento trágico de sua fragilidade diante da barbárie desencadeada,
que lhe caberia experimentar mais tarde diante do choque das grandes invasões
contra o Império Romano. O sentimento de catástrofe suscitado pelo
acontecimento foi o mesmo em todos os lugares? É possível, embora o risco ter
sido menor nos países de menor densidade demográfica e de equipamento mais
rudimentar. De qualquer maneira, o silêncio das fontes não nos permite julgar.
Gostaríamos de conhecer as causas
da expansão céltica: excesso de natalidade provocando a necessidade de novos
recursos, guerras civis, pressão dos povos nórdicos? [...] Gostaríamos de
conhecer também as suas modalidades. Parece ter-se tratado, quase sempre, não
de um deslocamento de todo um povo ou mesmo de uma tribo, mas sim da partida de
bandos sucessivos em direções diversas: encontram-se Tectosagos na Ásia Menor e
em Toulose, Tolistoboianos na Ásia Menor e Boianos na Boêmia – cujo nome provém
deste povo – e ao sul do Pó. Conduzidos por chefes nobres, levando consigo
mulheres e crianças em carros, esses bandos lançavam-se à aventura, não
hesitando em desalojar os que os haviam precedido, não perdendo as ocasiões de
pilhagem, mas procurando principalmente terras para se instalarem, prontos,
tanto a conquistá-los pela força e pela chacina, como a obtê-las por acordos
negociados.
[...]
Imagem 3: Bardo com cítara. Arte céltica.
Em direção ao Oriente, os celtas
ocupam a Boêmia e o vale do Danúbio. Passando pela Transilvânia, penetram até a
Ucrânia. Ao norte dos Bálcãs, acham-se, desde o início do século IV a.C., em
contactos com os ilírios e os trácios, e dentro em pouco com os macedônios:
algumas embaixadas célticas chegam a ser recebidas por Alexandre. Em 280 a.C., penetram na Macedônia
e, no inverno de 279-278 a.C.,
os tesouros de Delfos só lhes escapam por milagre. Afastam-se, por fim, dessas
regiões que contavam bons meios de defesa. Fundam, na Trácia, um Estado que
dura até o fim do século III a.C. A partir de 276, principalmente,
estabelecem-se no centro da Ásia Menor e, ao redor de Ancira (hoje Ancara), a
Galácia, que lhes deve o nome, só perde a independência na época de Augusto.
Em direção ao Ocidente, espalham-se
pela Gália. Sua última vaga, representada pelos belgas, finalmente instaladas até
o Sena e o Marne, deve ter vindo pelo norte, no século III a.C., e continuado o
seu avanço até meados do século II; mas eles desalojam os celtas chegados
anteriormente. Da Gália, os celtas passam, em data desconhecida e sem dúvida em
várias vagas, à Grã-Bretanha e Irlanda. É partindo também da Gália que alcançam
a Península Ibérica, onde a indicação de sua presença por Heródoto já é válida
para o século VI a.C.: acabam por dominar aí todas as regiões do Norte, do
Ocidente e do Centro. Enfim, penetram na Itália, vindos talvez ao mesmo tempo
da Gália e pelas gargantas dos Alpes Centrais. A partir do princípio do século
IV a.C., instalam-se na Lombardia e ao sul do Pó, até os Apeninos e o Adriático:
caídas em seu poder, as cidades etruscas de Melpum e Felsina têm como herdeiras
Mediolanum (Milão) e Bononia (Bolonha), cujos nomes se encontram em muitas
outras regiões do domínio céltico. Por vezes enviam bandos para o sul: pouco
depois de 390 a.C.,
capturam e destroem Roma; surgem mesmo na Campânia e nas costas do estreito de
Messina.
Todos estes territórios,
submetidos de maneira mais ou menos total e duradoura pelos celtas,
encontravam-se demasiadamente dispersos para que se possa imaginar, em dado
momento, a existência de um império celta. Desenvolvendo-se por vários séculos,
a expansão fez-se sem qualquer plano e sem apresentar coesão. Uma vez
sedentarizados, estes povos, mesmo vizinhos, raramente socorreram-se uns aos
outros. [...]
[...]
Pouco numerosos, talvez, desde o
início, no momento da migração – as fontes gregas e latinas exageram muito os
seus efetivos – enfraquecidos pela conquista e pelas guerras subseqüentes, os
celtas do exterior jamais conservaram a integridade de sua própria civilização.
Parecem ter sido, aliás, sempre muito receptivos às influências estrangeiras,
seduzidos, particularmente, pelo luxo das jóias e pelos requintes do vestuário,
mas também pelos cultos locais. Como a contaminação étnica auxiliava estas
influências, compreende-se por que os antigos falam de celtocitas, celtotrácios,
galo-gregos, celtiberos. O celtismo desses valorosos guerreiros que, ao acaso,
haviam conquistado boa parte da Europa e tomado pé na Ásia Menor, reduziu-se
pouco a pouco a tradições religiosas e lingüísticas de ínfima importância prática.
AYMARD,
André; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu império. O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica.
São Paulo: Difel, 1974. p. 62-66. (História geral das civilizações, 3)