Índios astecas doentes (varíola). Codex de Florença, século XVI, Bernardo de Sahagún
As coisas são menos claras no que concerne às doenças. As epidemias dizimavam as cidades europeias da época do mesmo modo que, embora em outra escala, na América: não somente os espanhóis não inocularam conscientemente este ou aquele micróbio nos índios, mas, ainda que tivessem desejado combater as epidemias (como era o caso de certos religiosos), não poderiam tê-lo feito de modo eficaz. Não obstante, é sabido atualmente que a população mexicana declinava também na ausência de grandes epidemias, devido à subnutrição, outras doenças comuns ou à destruição da teia social tradicional. Por outro lado, essas epidemias mortíferas não pode, ser consideradas como um fato puramente natural. O mestiço Juan Bautista Pomar, em sua Relación de Texcoco, terminada por volta de 1582, medita acerca das causas da depopulação, que estima, aliás corretamente, ser uma redução da ordem de 10 para 1; são as doenças, claro, mas os índios estavam particularmente vulneráveis a elas, por estarem exauridos pelo trabalho e não gostarem mais da vida; a culpa é da "angústia e fadiga de seus espíritos, pois tinham perdido a liberdade que Deus lhes tinha dado, pois os espanhóis tratavam-nos pior do que escravo".
Que essa explicação seja ou não aceitável no plano médico, outra coisa é certa, e é mais importante para a análise das representações ideológicas que tenho desenvolvido aqui. Os conquistadores consideram as epidemias como uma de suas armas: não conhecem os segredos da guerra bacteriológica, mas, se soubessem, não deixariam de utilizar conscientemente as doenças; pode-se também imaginar que, na maior parte das vezes, eles nada fizeram para impedir a propagação das epidemias. O fato de os índios morrerem às pencas é uma prova de que Deus está do lado dos conquistadores. Os espanhóis talvez presumissem um pouco a boa vontade divina para com eles, mas o fato era, para eles, incontestável.
Motolina, membro do primeiro grupo de franciscanos que desembarca no México, em 1523, começa sua História por uma enumeração das dez pragas enviadas por Deus para punir aquela terra; sua descrição ocupa o primeiro capítulo do primeiro livro da obra. A referência é clara: como no Egito bíblico, o México tornou-se culpado diante do verdadeiro Deus, e é devidamente punido. Vemos então se suceder, nessa lista, uma série de eventos cuja integração numa única sucessão é interessante.
"A primeira foi a praga da varíola", trazida por um soldado de Narvaez. "Como os índios não conhecem o remédio para essa doença, e têm o hábito de tomar muitos banhos, estejam são ou doentes, e continuaram a fazê-lo, mesmo atingidos pela varíola, morriam em massa, às pencas. Muitos outros morreram de fome porque, como ficaram todos doentes, ao mesmo tempo, não podiam cuidar uns dos outros e não havia ninguém para lhes dar pão ou qualquer outra coisa". Para Motolina também, portanto, a doença não é a única responsável: são responsáveis, na mesma medida, a ignorância, a falta de cuidados, a falta de alimentos. Os espanhóis podiam, materialmente, suprimir essas outras causas de mortalidade, mas nada era mais alheio a suas intenções: por que combater uma doença, se ela foi enviada por Deus para punir os descrentes? Onze anos depois, continua Motolina, começou uma nova epidemia, de rubéola; mas foram proibidos os banhos e os doentes foram tratados; houve mortes, mas muito menos do que da primeira vez.
"A segunda grande praga foi o número dos que morreram quando da conquista da Nova Espanha, particularmente nos arredores da Cidade do México". Assim, os que foram mortos pelas armas, juntam-se às vítimas da varíola.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América - A questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 130-132.
Nenhum comentário:
Postar um comentário