Olga Benário Prestes, 1926. Fotógrafo desconhecido
"Uma noite chegaram-nos gritos medonhos do Pavilhão dos Primários, informações confusas de vozes numerosas. Aplicando o ouvido, percebemos que Olga Prestes e Elisa Berger iam ser entregues à Gestapo: àquela hora tentavam arrancá-las da sala 4. As mulheres resistiam, e perto os homens se desmandavam terrível barulho. Tinham recebido aviso, e daí o furioso protesto, embora a polícia jurasse que haveria apenas mudança de prisão.
- Mudança de prisão para a Alemanha, bandidos. [...]
Apesar da manifestação ruidosa, inclinava-me a recusar a notícia: inadmissível. Sentado na cama, pensei com horror em campos de concentração, fornos crematórios, câmaras de gases. Iriam a semelhante miséria? A exaltação dominava os espíritos em redor de mim. Brados lamentosos, gestos desvairados, raiva impotente, desespero, rostos convulsos na indignação. Um pequeno tenente soluçava, em tremura espasmódica:
- Vão levar Olga Prestes. [...]
Em duro silêncio, fumando sem descontinuar, sentia na alma um frio desalento. Mas por que, na horrível ignomínia, haviam dado preferência a duas criaturas débeis? Elisa Berger, presa, era tão inofensiva quanto o marido, preso também. Contudo iam oferecê-lo aos carrascos alemães, e Harry Berger permanecia aqui, ensandecido na tortura. O nazismo não exigia restos humanos, deixava que eles se acabassem devagar no cárcere úmido e estreito. [...] Olga Prestes, casada com brasileiro, estava grávida. Teria filho entre inimigos, numa cadeia. Ou talvez morresse antes do parto. A subserviência das autoridades reles a um despotismo longínquo enchia-me de tristeza e vergonha. Almas de escravos, infames; adulação torpe à ditadura ignóbil. Nasceria longe uma criança, envolta nas brumas do Norte; ventos gelados lhe magoariam a carne trêmula e roxa. Miséria - e nessa miséria abatimento profundo. [...]
Ideias fúnebres iam, vinham, engrossavam-me o coração. Miseráveis. O campo sórdido, o opróbrio, a dor. E depois os fornos crematórios, as câmaras de gases. Outras figuras em roda permaneciam inertes como eu, cabisbaixo, olhos no chão. Carlos Prestes, isolado, estaria assim, mas ignorava as ameaças à companheira. Chega-lhe-ia aos ouvidos um som confuso do imenso clamor. [...] Passaria meses sem poder inteirar-se da enorme desgraça. [...]
- Para que isso? perguntava a mim mesmo impacientando-me. Ignoram tudo, e a imprensa, vendida, nos enegrece. [...]
Olga Prestes e Elisa Berger nunca mais foram vistas. Soubemos depois que tinham sido assassinadas num campo de concentração na Alemanha."
RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 1982. v. 2. p. 274-8.
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