Marquês de Condorcet, Jean-Baptiste
Greuze
Condorcet costuma ser chamado de "o último dos enciclopedistas". Discípulo de Voltaire, havia participado ativamente da redação da Enciclopédia juntamente com Diderot e D'Alembert. Sendo, contudo, mais jovem, foi o único dos enciclopedistas a viver os acontecimentos da Revolução Francesa. Em 1789, quando se deu a tomada da Bastilha, Condorcet estava com 46 anos.
Desde o início, ele se engajou no movimento revolucionário. Como deputado, defendeu os direitos humanos de modo geral, e os direitos das mulheres e dos negros escravos em particular, e propôs projetos de reformas políticas destinadas a transformar a sociedade francesa. Sua militância só chegou a termo em 1793, quando a Convenção dominada pelos jacobinos decretou sua condenação, acusando-o de conspirar contra o poder revolucionário. Condorcet ainda tentou evitar a prisão, escondendo-se em casa de amigos por vários meses. Porém, logo que deixou o esconderijo, foi preso e morreu no dia seguinte, no cativeiro, em circunstâncias obscuras.
Foi durante esse período em que viveu escondido que Condorcet escreveu o livro intitulado Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano. Nele, não apenas retrata a trajetória da humanidade desde o início até o século XVIII, como também tenta anunciar o que iria acontecer com os homens e os povos a partir de um acontecimento tão importante quanto a Revolução Francesa.
Consideradas as circunstâncias dramáticas em que foi escrita, a obra apresenta uma visão da história da humanidade surpreendentemente otimista. Segundo Condorcet, podemos estar certos de duas coisas. Em primeiro lugar, o homem é um ser com uma capacidade infinita de se aperfeiçoar; ou seja, não há por que impor limites aos progressos que a humanidade pode realizar. Em segundo lugar, a história mostra que de fato o homem se aprimorou muito no decorrer dos séculos, o que nos permite pensar que ele continuará a progredir no futuro. Uma vez tendo entrado na trajetória do progresso, nenhuma força poderá interromper a caminhada dos povos para um mundo melhor.
Esse otimismo de Condorcet pode ser explicado da seguinte forma: ele julga estar vivendo numa época privilegiada, marcada por acontecimentos que deverão transformar o destino dos homens e das nações em geral. Dentre esses acontecimentos, destaca a Independência dos Estados Unidos, ocorrida em 1776, e a própria Revolução Francesa, que se iniciou em 1789.
O simples bom senso, afirma Condorcet, fazia perceber que os habitantes de colônias inglesas na América tinham os mesmos direitos que qualquer europeu. Mas o governo britânico acreditava que os americanos deviam ser dominados. A nação americana então resolveu quebrar as correntes que lhe eram impostas e declarou sua independência. A discussão sobre esse acontecimento invadiu o mundo. Os direitos humanos e os direitos das nações tornaram-se mais conhecidos. Os homens, conhecendo-os, desejaram usufruir deles, e logo os ideais de independência e liberdade se espalharam a partir da América por toda a Europa.
A França, por sua vez, na visão de Condorcet, era o país europeu ao mesmo tempo mais esclarecido e mais escravizado. Tinha produzido os melhores filósofos do século, que havia muito tempo insistiam sobre a importância da liberdade. Contudo, o governo francês permanecera autoritário e despótico. Assim, era natural que fosse o primeiro país da Europa a iniciar a revolução, cujos princípios haviam sido dados pelos filósofos. Foram eles que difundiram o conhecimento dos direitos do homem, que exigiram a liberdade de pensar, que lutaram pela abolição da tortura, que denunciaram o fanatismo e os preconceitos. Com isso, modificaram a opinião pública de tal modo que, uma vez transformadas as mentalidades, a revolução pôde se realizar pelas forças populares.
Para Condorcet, a Revolução Francesa, embora posterior, foi mais ampla do que a revolução americana. Ela atingiu a sociedade inteira, transformou todas as relações sociais, penetrou em todos os meandros da instituição política. Os franceses conseguiram eliminar o despotismo dos reis, a desigualdade política, o orgulho dos nobres, a intolerância, os privilégios feudais. Enfim, a revolução devolveu ao povo francês a sua soberania, que consistia em só obedecer a leis cujo estabelecimento fosse legitimado por sua aprovação imediata. Tratou-se, portanto, de uma conquista inigualável e irreversível. Condorcet acreditava ainda que, a partir da Revolução Francesa, os ideais revolucionários se difundiram progressivamente pelo resto do mundo, inaugurando uma nova era de liberdade.
É essa visão de uma nova era que orienta a filosofia da história desse enciclopedista revolucionário. A humanidade pode esperar um futuro cada vez melhor. O progresso é uma lei da história. Os passos dados pelos homens em direção a um futuro mais feliz são irreversíveis.
Embora tal certeza seja dada pelo próprio decorrer da história, para Condorcet o processo de aperfeiçoamento dos homens pode ser acelerado e garantido pela instrução. Em abril de 1792, ele apresentou à Assembleia um projeto sobre a instrução pública. O interesse de Condorcet pela instrução pública estava intimamente ligado à sua visão racionalista da história. Não basta aos homens ter direitos. É preciso que eles os conheçam para poder lutar por eles. A instrução aparece, pois, na visão de Condorcet e dos iluministas de modo geral, como uma força libertadora.
Os princípios que regem o projeto de instrução de Condorcet podem ser assim resumidos: em primeiro lugar, a instrução deve ser pública, pois todo homem tem direito ao saber. Para isso, ela deve ser organizada e sustentada pelo Estado. A escola pública deve ser gratuita, igual para todos, laica e mista. Gratuita, porque caso contrário não seria pública; igual para todos, dada a igualdade dos cidadãos numa nação livre; laica, já que a educação religiosa pode ser uma função da família, mas nunca do Estado, que deve guardar independência em relação a todos os credos religiosos. Por fim, a escola pública deve ser mista, pois as mulheres são iguais aos homens e têm portanto o direito tanto de aprender como de ensinar.
Esses princípios nos parecem hoje lugar-comum. Na França pré-revolucionária, porém, a educação era oferecida quase sempre por escolas mantidas pelas ordens religiosas, às quais tinha acesso apenas a pequena parte da população que podia pagar. Assim, o projeto de Condorcet inaugurava uma nova maneira de considerar a instrução dos cidadãos. Mediante a instrução pública e laica, a marcha do espírito humano em direção ao aperfeiçoamento seria acelerada. Mais instruídos, os homens seriam mais livres, e as tiranias não poderiam voltar a esmagar as nações.
NASCIMENTO, Milton Meira do; NASCIMENTO, Maria das Graças S. Iluminismo: a revolução das luzes. São Paulo: Ática, 2008. p. 46-8. (História em movimento)
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