"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A atuação dos jovens e das mulheres nos movimentos revolucionários do século XVIII

A prisão da Bastilha, Henry Singleton

"Foi lá [em Spa] que tive notícias, pela primeira vez, dos acontecimentos que anunciavam o aproximar-se de uma grande Revolução na América [...] O troar do primeiro canhão, disparado nesse novo hemisfério em defesa da bandeira da liberdade, repercutiu em toda a Europa com a rapidez de um raio. Recordo-me que os americanos insurgidos eram chamados bostonianos; sua corajosa audácia eletrizou todos os espíritos, provocou admiração geral, sobretudo entre os jovens, partidários das inovações e ávidos por lutas [...]. Esse movimento, embora parecendo pouco consistente, era notável prenúncio das grandes convulsões que, dentro em breve, abalaram o mundo inteiro, e eu estava longe de ser o único cujo coração palpitava ao rumor do despertar da liberdade, procurando derrubar o jugo do poder arbitrário". (Testemunho do Conde de Ségur sobre a Guerra de Independência americana)

A juventude participou com afinco da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas. Os jovens (das cidades, principalmente) representavam a geração renovadora e liberal, desejosa de destruir tudo o que significasse o Antigo Regime. Foram eles que pegaram em armas para lutar contra os exércitos estrangeiros que ameaçavam invadir a França em 1789.

Os jacobinos perceberam a força política da juventude e procuraram utilizá-la na Revolução. Durante a ditadura jacobina (1793-1794), milhares de rapazes de toda a França, entre 16 e 17 anos, foram enviados a Paris, onde, durante algumas semanas, receberam treinamento militar e lições de patriotismo para se tornarem republicanos autênticos. Os que não atenderam ao chamado dos jacobinos sofreram perseguições e humilhações, como a de serem chamados de hermafroditas. Após a queda de Robespierre, grupos de rapazes favoráveis aos girondinos foram à desforra e espancaram os jacobinos.

A convocação de jovens foi ainda maior nas guerras napoleônicas. Só na França. quase 4 milhões foram chamados às armas. O exemplo estendeu-se ao continente. A partir do início do século XIX, com o argumento de amor à pátria, o recrutamento obrigatório passou a ser adotado em todos os países europeus (exceto na Inglaterra). Difundiu-se a ideia de que todos os cidadãos aptos tinham o direito e o dever de defender a pátria. Nascia uma nova e poderosa arma: o nacionalismo.


Carnot na Batalha de Wattignies, Georges Moreau de Tours

Servir o exército também significava prova de virilidade e porta de entrada no mundo adulto. Vestir o uniforme militar era atingir a maturidade, deixar de ser criança, mostrar coragem e potência sexual. Após o serviço militar, os rapazes estavam prontos para o casamento.

Nem todos, porém queriam servir o exército e usavam de vários meios para fugir dele. Alguns casavam com mulheres velhas, para logo depois abandoná-las em troca de alguma ajuda material. Outros fingiam-se doentes, feridos ou inventavam deficiências físicas, como surdez e dificuldade de visão. Havia ainda os que simplesmente fugiam.

A Revolução Francesa contou também com a atuação das mulheres no papel de agitadoras, ou de "bota-fogo", como se dizia na época. Muitas vezes, foram elas as iniciadoras das manifestações populares. Tocavam os sinos chamando a população, rufavam os tambores nas ruas da cidade, zombava, das autoridades e dos soldados, arrastavam os transeuntes, entravam nas lojas, oficinas e casas forçando os indecisos, incitavam os homens à ação, chamando-os de covardes. Um deputado jacobino chegou a afirmar, em 1793: "As mulheres iniciarão o movimento, [...] os homens virão em apoio às mulheres".


Clube Patriótico das Mulheres, Jean-Baptiste Lesueur e Pierre-Etienne Lesueur

Mas a Declaração de Direitos de 1789 não levou em consideração a luta feminina. Em seu título e artigos, aparece o termo "homens", que na época não se referia à humanidade em geral, mas ao ser humano do sexo masculino. As mulheres foram deixadas de lado. Isso não passou despercebido. Em setembro de 1791, a escritora francesa Olympe de Gouges redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã exigindo o direito das mulheres à participação política. Pregava a libertação feminina contra a tirania dos homens. Afirmava que a exploração da mulher pelo homem é a origem de todas as formas de desigualdade.

Olympe de Gouges acabou guilhotinada em 1793, e suas ideias foram rejeitadas pelo governo revolucionário. As mulheres estavam excluídas das decisões das assembleias, das milícias armadas e das comissões locais. Mesmo assim, não ficaram caladas nem ausentes dos acontecimentos políticos. Como cidadãs sem cidadania assistiam às discussões nas tribunas abertas ao público. E como espectadoras continuaram participando: seus gritos, aplausos ou vaias influenciavam os deputados reunidos. Dessa forma controlavam também a atuação política deles.

Na independência dos Estados Unidos, as mulheres americanas atuaram diferentemente das francesas. Elas não foram às ruas e nem assistiram às assembleias políticas. Como mães e donas-de-casa, participaram dos acontecimentos declarando boicote geral aos ingleses. Pararam de comprar os produtos oferecidos pelos comerciantes da Metrópole, desconsiderando até suas ofertas tentadoras de vestidos e chapéus. Deixaram de usar e consumir até os produtos ingleses que tinham estocado em casa e convenceram seus filhos e maridos a fazerem o mesmo. Ofereceram-se como cozinheiras ou lavadeiras para as tropas americanas. Organizaram-se para recolher fundos em favor da causa da independência.

A brutalidade da guerra de independência afetou profundamente as famílias americanas. As mulheres se viram sozinhas para garantir a sobrevivência dos filhos. Tomaram consciência de sua força, de seu valor e capacidade individual. No após-guerra, criaram associações, frequentemente ligadas às Igrejas, destinadas a socorrer as viúvas e os órfãos. Esses grupos consolidaram uma nova forma de atuação social: o trabalho coletivo em benefício da comunidade.

RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo: FTD, 2002. p. 98-100.

Nenhum comentário:

Postar um comentário