"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Em nome da liberdade

A prisão da Bastilha, Charles Thévenin

"Torna-se mister uma vontade una [...] Para que ela seja republicana, há necessidade de ministros republicanos, de um governo republicano. Os perigos internos vêm dos burgueses; para vencer os burgueses é preciso o apoio do povo [...] É necessário que o povo se una à Convenção e que a Convenção se utilize do povo.
As revoluções, três anos decorridos, tudo fizeram em benefício de outras classes, e quase nada ainda, talvez, para as mais necessitadas, para os cidadãos proletários cuja única propriedade é o trabalho. O feudalismo está destruído, mas não para eles; nada possuem nos campos libertados. As contribuições são, agora, repartidas de forma mais justa, mas, devido à sua pobreza, eles permanecem quase inacessíveis ao imposto [...] A igualdade civil foi estabelecida, mas a instrução e a educação não os alcançam... Aqui está a revolução dos pobres [...]". 
(Robespierre. Anotações no seu diário e discurso na seção da Convenção, em julho de 1793. Citado por SOBOUL. Albert. A Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. p. 283.)

[...] 


A marcha de protesto do povo de Paris e a tomada da Bastilha, em 14 de julho de 1789, derrubaram a monarquia absolutista, os direitos feudais e a sociedade estamental, levando ao fim do Antigo Regime na França. Sob o lema iluminista de Liberdade, Igualdade, Fraternidade foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e instalado um governo constitucional. Essas realizações seriam suficientes para caracterizar uma revolução. Mas a Revolução Francesa foi ainda mais ampla e profunda.

A notícia de suas conquistas atravessou fronteiras, influenciando outros povos e nações a lutarem pelos mesmos ideais. Na Europa e na América ocorreram movimentos a favor da liberdade e da igualdade. Indivíduos de diferentes nações se ofereceram para ficar lado a lado com os franceses na construção de um novo Estado. Em 1790, por exemplo, cerca de 36 estrangeiros da própria Europa, da Ásia e da América participaram com entusiasmo das discussões que ocorriam na Assembleia Nacional Constituinte. Metade deles recebeu o título de cidadão francês.

Os norte-americanos presentes na Assembleia representavam oficialmente seu país. Os franceses admiravam a nação americana, pois a viam como exemplo do progresso e das liberdades democráticas. Thomas Jefferson influenciou a redação do projeto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e Thomas Paine foi um dos principais redatores da Constituição de 1793. Os demais estrangeiros envolveram-se na luta revolucionária por convicção pessoal. Combateram como voluntários no exército francês ou fizeram doações em dinheiro para armar soldados. Foram ardorosos defensores e propagadores dos ideais revolucionários em suas terras de origem.

[...]

No julgamento do rei Luís XVI, pouco antes do Terror, muitos estrangeiros se assustaram com o extremismo dos jacobinos. Thomas Paine, por exemplo, propôs que fosse dado direito de defesa ao rei e, dias antes da execução, defendeu a abolição da pena de morte. Foram suas palavras: "Minha compaixão pelo homem na infelicidade, seja ele amigo ou inimigo, é igualmente viva e sincera". Não conseguiu convencer os franceses, cujo ódio à monarquia absolutista os fez esquecer as ideias iluministas de tolerância e fraternidade. Luís XVI e sua família foram guilhotinados e, como eles, milhares de franceses de todas as camadas sociais.

Com o Terror, muitos revolucionários estrangeiros ficaram desiludidos. Os norte-americanos decidiram não apoiar mais a França, pois não podiam esquecer a ajuda enviada por Luís XVI à sua própria revolução. Os excessos e o radicalismo do Terror destruíram o clima de fraternidade universal e solidariedade humana existente nos primeiros anos da Revolução Francesa. Restaram o medo, o desespero e a arbitrariedade. O poeta inglês William Wordsworth (1770-1850) escreveu que o Terror lhe revelou "o que o homem pode fazer com o homem".


Caricatura: O zênite da glória francesa, James Gillray

["Esta ilustração é bastante negativa, tem um caráter de sátira. A figura central, com o barrete, símbolo dos revolucionários, tem um aspecto maligno e grosseiro. A personagem está satisfeita com as execuções à sua volta. Porta um violino, talvez para acompanhar com música o espetáculo sangrento que se desenrola ao seu redor".] PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 154


[...]

O perigo de todo radicalismo é a intolerância e o fanatismo. O intolerante não vê o outro e não aceita a convivência com os diferentes. O fanático prega sua verdade e não compreende qualquer outro tipo de explicação. Por isso, o extremista não consegue julgar com clareza e bom senso. A grande maioria dos guilhotinados no período do Terror era gente do povo, homens e mulheres comuns que foram acusados de favorecerem os nobres (por exemplo, serviram como seus criados) ou de não demonstrarem suficiente ardor revolucionário.

Diante de uma multidão enraivecida pelo radicalismo, ninguém tinha coragem de defender o acusado, com medo de acabar sendo apontado como suspeito. A História está repleta de exemplos de radicalismos que, em nome do povo, acabaram fazendo de vítima toda a nação.

RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo: FTD, 2002. p. 67-8.

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