Invasão dos bárbaros ou Os hunos se aproximando de Roma, Ulpiano Checa
"Repara com que surpresa repentina a morte pesou sobre o mundo inteiro, quando a violência da guerra abateu os povos. Nem o solo rude dos matagais espessos ou das altas montanhas, nem a corrente dos rios, em seus turbilhões rápidos, nem o abrigo que a Natureza proporcionou as cidadelas, os muros, às cidades, nem a barreira formada pelo mar, nem as tristes solidões do deserto, nem as gargantas, nem mesmo as cavernas, sobre os quais pendem sombrios rochedos, puderam escapar às mãos dos bárbaros.
[...] Mas, que aproveita contar a morte de um mundo que desmorona, seguindo a lei ordinária de tudo o que perece? Que aproveita relembrar o número dos que morrem por todo o Universo, quanto tu mesmo vês teu último dia chegar a grandes passos? Quantos males podem causar as espadas, os edifícios que desmoronam, o fogo, o veneno, as torrentes de água? Quanta gente leva a perecer as guerras, a fome, o desencadear das epidemias, a morte, enfim, que, por caminhos diversos se apresenta igual para todos! [...] Em uma corrida [...] nossa vida termina faz precipitarem-se nossos últimos dias."
As palavras anteriores são da autoria de Orêncio, sacerdote e escritor romano, que viveu no século V. Não lhe parece que as palavras estão cheias de angústia e de insegurança? São elas o reflexo da crise, que muitos então viviam. Era o fim de uma época, destruída por forças que não se detiveram diante de nada. Nem obstáculos naturais, nem barreiras levantadas pelos homens do moribundo Mundo Romano conseguiram deter os invasores.
Estes invasores eram os povos bárbaros, como os romanos chamavam os germanos [...].
"As escassas informações existentes sobre os germanos
primitivos chegaram até nós através do historiador romano Tácito e de achados
arqueológicos, como desenhos em cavernas, gravuras em pedra, utensílios, armas,
vestimentas." (HOLLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História da
Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 125)
"Sua ferocidade supera tudo. Por meio de um ferro, marcam com profundas cicatrizes as faces dos recém-nascidos [...] Têm um corpo grosso, os membros robustos, a nuca espessa. Suas espáduas largas tornam-nos assustadores [...] Os hunos não cozinham, nem temperam o que comem. Nutrem-se apenas de raízes silvestres ou de carne crua do primeiro animal que aparece [...] Entre eles não se usam casa, nem tampouco túmulos. Não encontraríamos nem mesmo uma cabana [...] Cobrem-se de um linho ou de peles de ratazanas do mato, cozidas entre si. Não possuem veste interior, nem roupa para visita. Uma vez que enfiaram a túnica de uma cor desbotada, não a deixam mais, até que ela caia de velha. Cobrem a cabeça com chapéus de abas caídas. Envolvem-se em peles de cabra as peludas pernas [...] A cavalo, dia e noite, é de lá que negociam suas compras e vendas. Não põem pé em terra, nem para comer nem para beber. Dormem reclinados sobre o magro pescoço de sua cavalgadura, onde sonham bem à vontade."
Que sensação lhe provocou a leitura do texto anterior, escrito, em fins do século IV, por Amiano Marcelino, historiador romano? Que sentiria você, se tivesse de enfrentar esse povo que, em seus velozes cavalos, avançava contra sua cidade?
É provável que também fosse tomado pelo mesmo terror vivido pelos romanos, quando souberam da aproximação ameaçadora dos hunos.
De onde vinham esses temíveis cavaleiros? Aos milhares, haviam partido de regiões da Ásia, fronteiriças à China, e iniciado uma caminhada que os levou à Europa. Vivendo da criação de cavalos e da pilhagem, eram nômades bastante primitivos.
Quando chegaram às terras da Europa Oriental, a crueldade dos hunos e a devastação por eles provocada acarretaram um grande deslocamento de povos. Fugindo dos hunos, germanos empurraram-se uns aos outros, acabando por invadir as fronteiras do Império Romano (século IV).
Aos milhares, os visigodos atravessaram o Rio Danúbio, acreditando que estariam protegidos no interior do Império. Com as autoridades romanas fizeram um acordo: protegeriam as fronteiras contra outros invasores, recebendo em troca alimentos, terras e uma elevada soma em dinheiro. Tornaram-se então, federados do Império, prática utilizada, desde o século III, pelos Imperadores romanos: como as legiões romanas eram insuficientes para guarnecer as fronteiras, faziam um tratado (foedus) com um chefe bárbaro, tornando-o aliado ou federado.
Como as autoridades romanas não respeitaram os compromissos assumidos, os visigodos revoltaram-se. Começaram a saquear as cidades dos Bálcãs. O Exército Romano, que tentou contê-los, foi derrotado em Andrinopla (378).
Em 406, vândalos, alanos e servos, em número não calculado, cruzaram o Rio Reno e invadiram a Gália. Também fugiam dos hunos, mas provocaram o pânico e a destruição por onde passaram. Enquanto os suevos e os alanos permaneceram na Península Ibérica como federados, os vândalos deslocaram-se para o Norte da África, onde fundaram seu Reino.
A desagregação do Império Romano acelerou-se com novas invasões:
* os borgúndios também ultrapassaram o Reno e se localizaram a Leste da Gália;
* os saxões e anglos atravessaram o Canal da Mancha e dominaram a Bretanha (atual Inglaterra).
Em meio à crise provocada por tantas devastações, pareceu a muitos habitantes do Império que o fim do mundo estava próximo. E o temor aumentou, quando se espalhou a notícia de que Roma, a antiga capital, fora saqueada pelos visigodos.
O depoimento de São Jerônimo [...] revela o desespero causado pelo ataque a Roma.
"Chega-nos do Ocidente um rumor aterrador, Roma é atacada. Os cidadãos resgatam a vida a preço de ouro [...] Depois de terem perdido seus bens, ainda é preciso que percam a vida. Minha voz se estrangula e as convulsões me interrompem, enquanto dito estas palavras. É conquistada a cidade que conquistou o Universo."
Prosseguindo seu avanço devastador, os visigodos abandonaram a arruinada Península Italiana, invadiram e pilharam a Gália, indo fixar-se na Península Ibérica, onde já viviam alanos e suevos.
Parecia que a paz retornara ao Ocidente.
"A ilusão logo se desfez, pois os hunos, chefiados por Átila (439-453), retiraram-se de terras da atual Hungria, devastaram os Bálcãs e, em troca de elevada soma em dinheiro, renunciaram a atacar Constantinopla. Em 451, invadiram a Gália, destruindo tudo, até serem derrotados na batalha de Campos Mauríacos [...] Para deter os hunos, formara-se uma força militar heterogênea composta de legiões romanas e de contingentes de francos, borgúndios, visigodos, saxões e alanos."
Obrigados a se retirarem da Gália, os hunos voltaram-se contra a Península Italiana, assaltando, incendiando e destruindo cidades, escravizando e massacrando populações. Chamado de Flagelo de Deus, Átila liderou seus terríveis guerreiros para mais um saque de Roma. Embora sua carroças estivessem carregadas de riquezas pilhadas, a fome e a peste vitimaram os hunos, que renunciaram ao saque de Roma e se comprometeram a retirar-se da península; recebendo, em troca, vultoso tributo pago pelo Papa Leão Magno (452). No ano seguinte, com a morte de Átila, os hunos se dispersaram ao nomadismo pastoril.
Durante o século V, a desagregação do Império Romano prosseguiu, em meio às destruições causadas pela guerra e pela formação dos Reinos Bárbaros. Na própria Itália, os hérulos, chefiados por Odoacro, depuseram o Imperador Rômulo Augústulo, fato que, no entender de diversos historiadores, marcou o início da Idade Média (476).
Leia o depoimento de Salviano, monge do século V, sobre o fim do Império Romano do Ocidente, atribuindo a queda de Roma a um castigo divino:
"Já que quase todas as nações bárbaras beberam sangue romano e rasgaram nossas entranhas, por que será que nosso Deus entregou o mais poderoso dos Estados e o povo mais rico, que leva nome de romano, ao forte domínio de inimigos, que eram tão fracos? Por quê?
[...] Os acontecimentos provam o julgamento de Deus sobre nós e sobre os godos e os vândalos. Eles aumentam dia a dia; nós descemos cada dia mais. Eles prosperam; nós somos humilhados. Eles florescem; nós fenecemos.
[...] Eu desejaria, se a fraqueza humana permitisse, gritar além de minhas forças, a fim de ser ouvido no mundo inteiro: Ó cidadãos romanos, tende vergonha; tende vergonha de vossas vidas! Poucas cidades estão livres dos antros de perdição, estão totalmente livres de impurezas, exceto as cidades habitadas pelos bárbaros [...] Não é o vigor natural de seus corpos que os capacita a conquistar-nos, nem foi a nossa fraqueza natural a causa de nossa derrota. Que ninguém se convença do contrário. Que ninguém pense de outra maneira. Fomos derrotados, exclusivamente, pelos vícios de nossa vida má."
Os hérulos, no entanto, logo perderam o domínio de Roma e da Itália para novos invasores: os ostrogodos, que organizaram seu Reino na Península Italiana.
Começavam novos tempos...
AQUINO, Rubim Santos Leão de. [et alli]. Fazendo a História: Da Pré-História ao Mundo Feudal. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989. p. 106-9.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 125)
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