A coroação do Imperador D. Pedro I do Brasil em 1822, Jean-Baptiste Debret
Visitando o Museu do Ipiranga, em São Paulo, encontraremos o mais famoso quadro sobre a Independência do Brasil.
No topo de uma colina, Dom Pedro, em traje de gala, montando um fogoso corcel, empunha a espada à frente de cavaleiros certamente emocionados com o momento. Diante dele, sobre cavalos inquietos, os "dragões" de sua guarda, surpresos com o grito ousado do príncipe. À esquerda, num canto, a figura solitária de um camponês, numa atitude meio de espanto e incompreensão. Passivo.
O Grito do Príncipe, do pintor Pedro Américo, é o retrato romântico-oficial da Independência. É o retrato que pintam dela os historiadores tradicionais.
Nossa independência tem um sentido particular dentro do quadro das independências latino-americanas. [...] ela foi o desfecho de uma luta da classe dominante colonial contra as tentativas de recolonização da metrópole. Até o fim do processo considerava-se a hipótese de uma autonomia relativa, mantendo-se a união com Portugal. Nos demais países da América Latina os movimentos da independência contaram com a participação de líderes como Bolívar e San Martín, que comandaram um longo processo de lutas populares, ao qual se seguiu a proclamação das repúblicas, um ideal já presente nessas lutas. [...]
Entretanto, é um erro persistir-se na ideia de que, com exceção das lutas políticas travadas no seio da classe dominante, a Independência do Brasil restringiu-se a um grito formal de Dom Pedro às margens do Ipiranga. Foram vários os gritos ouvidos.
Embora proclamada, a Independência não foi logo aceita por todos. Até 1823, governadores de algumas províncias negaram-se a acatá-la, apoiados pelas tropas portuguesas.
Como o exército brasileiro não constituía ainda uma corporação estruturada e bem treinada, coube a José Bonifácio a tarefa de organizá-lo. Comprou alguns navios e contratou militares estrangeiros, franceses e ingleses, que atuaram como mercenários. Mas a principal ajuda foi dada pelas milícias compostas por civis que, embora recebessem treinamento militar periódico, continuavam exercendo suas atividades normais, sendo convocadas em casos de necessidade.
Apesar das lutas terem acontecido em todo o território brasileiro, foram significativas as batalhas travadas nas províncias da Bahia e do Grão-Pará, justamente por abrigarem grande número de comerciantes cujos interesses se vinculavam a Portugal.
Na Bahia, alguns representantes desses interesses na Câmara da capital, desde 1821, haviam manifestado sua opinião:
"[...] esse Senado declara... Que empregará as suas forças para não consentir nem direta nem indiretamente na mais pequena separação entre os portugueses da Europa, das ilhas e do Brasil... E que a Constituição que as cortes em Lisboa estão organizando será irrevogavelmente aquela que deverá reger essa província."
Entrada do Exército Libertador (detalhe), Prisciliano Silva
A situação tornou-se conflitante no início de 1822. A população local se rebelou contra a junta governativa liderada pelo brigadeiro Madeira de Melo, cercando a cidade de Salvador. Apesar do envio de tropas do Rio de Janeiro, comandadas pelo brigadeiro Labatut, os revoltosos não conseguem vencer Madeira de Melo e suas tropas, que haviam sido reforçadas por Portugal. Derrotados, os brasileiros conseguem no entanto manter o cerco à cidade, com a batalha de Pirajá. Nessa época ocorreu o episódio em que a madre Joana Angélica, superiora do convento Nossa Senhora da Conceição, tentou impedir com o sacrifício de sua própria vida a invasão do mosteiro, onde se escondiam os brasileiros refugiados das primeiras derrotas sofridas.
Só no ano seguinte as forças portuguesas foram derrotadas e para isso contaram os brasileiros com a ajuda da esquadra do almirante Cochrane, contratada pelo Governo imperial.
Na província do Grão-Pará, mesmo antes da independência, já se tinha notícias de lutas entre a população e os representantes da junta governativa, fiel a Portugal. O cônego Batista de Campos, o "Pau Bento", tornara-se líder na região e comandava as populações mais humildes na luta pela independência e por "outras melhorias".
O ano de 1823 marcou o auge dos conflitos. O navio Maranhão chegou à costa paraense, comandado por Grenfell, trazendo a notícia da chegada da esquadra do almirante Cochrane para ajudar os brasileiros. Enquanto a junta decidia o que fazer, o povo eufórico invadiu o palácio do governador, proclamou a Independência e entregou o poder provincial aos líderes populares. Este último ato, no entanto, excedia os limites impostos pela aristocracia agrária à participação popular no processo de independência. Cumprindo ordens do Governo imperial para reprimir violentamente o povo e seus líderes, "Grenfell prendeu Batista de Campos, fuzilou muitos nativos e meteu 300 prisioneiros no brigue Palhaço, no porão, escotilhas fechadas, atirando cal sobre eles. Dois dias depois, aberto o porão, foram tirados os cadáveres dos bravos paraenses, sacrificados por um mercenário, em sua luta pela liberdade e pela independência". (Werneck Sodré)
Também nas províncias do Rio de Janeiro, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Cisplatina travaram-se conflitos. Em todos eles, porém, o povo atuou sempre como "bucha de canhão", isto é, não lhe cabia conduzir ou discutir o processo de independência, mas somente lutar. Enfim, foi uma participação que se caracterizou pelo nativismo exaltado, dirigido contra a figura do português. Não tinha o caráter nacionalista que muitos autores lhe atribuem. A ideia de nação, tanto para o povo como para as elites. era, e foi durante muito tempo ainda, uma ideia artificial. Não havia uma integração nacional: a economia mantinha-se voltada para o exterior e as relações das províncias com a Europa eram muito mais estreitas do que as relações das províncias entre si.
ALENCAR, Chico [et alli]. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1996. p. 115-7.
Nenhum comentário:
Postar um comentário