Tituba e as crianças, Alfred Fredericks
Na América do Sul tinha sido caçada, lá na infância, e tinha sido vendida uma vez e outra e outra, e de dono em dono tinha ido parar na vila de Salem, na América do Norte.
Lá, naquele santuário puritano, a escrava Tituba servia na casa do reverendo Samuel Parris.
As filhas do reverendo a adoravam. Elas sonhavam acordadas quando Tituba contava contos de fantasmas ou lia os seus futuros numa clara de ovo. E no inverno de 1692, quando as meninas foram possuídas por Satã e se reviraram e uivavam, só Tituba conseguiu acalmá-las, e as acariciou e sussurrou contos para elas até que adormecessem em seu regaço.
Isso a condenou: era ela quem havia metido o inferno no virtuoso reino dos eleitos de Deus.
E a maga conta-contos foi atada ao cadafalso, em praça pública, e confessou.
Foi acusada de cozinhar bolos com receitas diabólicas e a açoitaram até que disse que sim.
Foi acusada de dançar nua nos festins das bruxas e a açoitaram até que disse que sim.
Foi acusada de dormir com Satanás e a açoitaram até que disse que sim.
E quando lhe disseram que suas cúmplices eram duas velhas que jamais iam à igreja, a acusada se transformou em acusadora e apontou com o dedo aquele par de endemoniadas e não foi mais açoitada.
E depois outras acusadas acusaram.
E a forca não parou de trabalhar.
GALEANO, Eduardo. Espelhos: uma história quase universal. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 137.
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