"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 16 de agosto de 2014

Salvador na época do levante dos Malês

Uma rua da Bahia. Litografia de François-Auguste Biard, 1862.

Nas primeiras décadas do século XIX, os negros eram os senhores das ruas de Salvador, capital da província da Bahia. Veja um quadro com estimativa da população de Salvador em 1835, ano da grande Revolta dos Malês.

Estimativa da população de Salvador em 1835

Origem
Números Absolutos
%
Africanos
- Escravos
- Libertos
Brasileiros/europeus
- Livres brancos
- Livres e libertos (negros/mestiços)
- Escravos

17.325
  4.615

18.500
14.885

10.175

  26,5
    7,1

  28,2
  22,7

  15,5
Total
65.500
100,0

Fonte: REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos Malês (1835). São Paulo: Brasiliense, 1986. p.16.

Escravos e libertos trabalhavam como artesãos, alfaiates, vendedoras ambulantes, lavadeiras, barbeiros, músicos, pedreiros, carpinteiros, carregadores de água, de mercadorias e de cadeiras de arruar, que transportavam pessoas. A grande maioria, porém, era composta de escravos de ganho, isto é, escravos que eram obrigados a entregar ao seu senhor, por dia ou por semana, uma quantia previamente determinada, que obtinham com seu trabalho. Na maioria das vezes os senhores respeitavam o acerto e o escravo podia ficar com o excedente. Eles costumavam se agrupar por etnia em locais específicos da cidade chamados cantos.

Nesse sistema, o escravo tinha certa autonomia, pois podia decidir onde, como e com quem trabalhar; ainda que tivesse o que prestar contas ao senhor. Com isso, alguns só apareciam nas casas dos seus proprietários no momento de prestar contas. Em contrapartida, esse escravo tornava-se responsável pelo próprio sustento, pagando por sua comida e vestuário.

Os escravos ocupavam o porão do sobrado dos senhores, onde dormiam amontoados. Eram locais escuros e com pouca ventilação, sem nenhum tipo de separação, ou seja, não havia privacidade. Não havia móveis e todos dormiam em esteiras estendidas no chão. Geralmente possuíam um caixote para guardar seus pertences - roupas, instrumentos de trabalho, amuletos, dinheiro. Alguns escravos conseguiam alugar espaços que ocupavam apenas durante o dia, retornando à noite para a casa do senhor.

Os que recebiam autorização do senhor para morar fora alugavam espaços nos quartos de libertos conhecidos. Os que conseguiam melhores ganhos alugavam quartos individuais, em busca de privacidade e da possibilidade de formar uma família. Há poucos registros da existência de filhos, mas os pesquisadores apontam que os escravos estabeleciam laços de solidariedade e parentesco constituindo formas diferentes de família.

As ruas da cidade não eram apenas seu espaço de trabalho. Após o cumprimento das tarefas cotidianas, eles se reuniam para cantos, danças, jogos de capoeira e batuques. Outras vezes, divertiam-se frequentando botequins, tabernas e casas de calundus. Possivelmente, nesses locais, tanto quanto nos cantos, foram iniciadas as discussões e a gestação da maior revolta de escravos do século XIX, a revolta dos Malês.

DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. Novo História: conceitos e procedimentos. São Paulo: Atual, 2009. p. 183.

NOTA: O texto "Salvador na época do levante dos Malês" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico 

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