A fome trazia consigo sérias consequências.
A ingestão de alimentos deteriorados ou impróprios para o consumo provocava
doenças que se agravavam pelo estado de subnutrição. Há relatos de populações
que, esfaimadas, chegavam a comer terra. Existem também registros de atos de
canibalismo, praticados em meio a pragas de ratos e gafanhotos que
frequentemente assolavam os campos. Em tempos de crise, os rebanhos eram
dizimados por doenças ou pela falta de alimentos. Desesperadas, as pessoas
consumiam também as rações reservadas aos animais como, por exemplo, a aveia
armazenada. E os poucos animais que restavam eram abatidos para suprir a carência
de alimentos.
Além disso, as populações
subalimentadas e sem a mínima resistência física ainda sofriam o flagelo das
epidemias, muito comum em toda a Idade Média. Os surtos mais freqüentes eram de
cólera, peste bubônica e ergotismo (doença provocada pela ingestão de centeio
contaminado por fungos). A célebre Peste Negra – epidemia de peste bubônica
iniciada em 1347 – dizimou cerca de um terço da população européia. Na Toscana,
a mortalidade atingiu 80% da população e, certas regiões da Inglaterra, chegou
a 60%.
Miniatura da Bíblia de Toggenburg, Suíça, 1411, sobre a "Peste Negra".
Ao relatar uma dessas crises,
ocorrida entre os anos de 1032 e 1034, o cronista francês Raoul Glaber, monge
de Cluny, escreveu: “A fome estendeu de
tal forma sua destruição, que se podia acreditar no desaparecimento de quase
todo o gênero humano. As condições climáticas se fizeram tão desfavoráveis, que
não se encontrava tempo propício para nenhuma sementeira, e as inundações
impediam a realização de colheitas. As chuvas incessantes embeberam a terra de
tal modo que, durante três anos, não foi possível abrir sulcos capazes de
receber sementes. E, no tempo da colheita, toda a superfície dos campos fora
recoberta por ervas daninhas. Durante esse período, depois de consumirem pássaros
e animais selvagens, os homens passaram a recolher, transtornados pela fome,
toda espécie de carniça e de coisas terríveis de se dizer. Para escapar à
morte, alguns recorreram às raízes da floresta e às ervas dos rios. Coisa
raramente ouvida no curso das épocas, uma fome raivosa fez com que os homens
devorassem carne humana. Viajantes incautos eram assaltados por homens mais
robustos, que lhes utilizavam os membros, coziam-nos e os devoravam. Muitas
pessoas que migravam a fim de fugir do flagelo, ao encontrar hospitalidade, eram
assassinadas e serviam de alimentos aos que as haviam acolhido”.
Num mundo tão terrível, a
expectativa de vida não ultrapassava os 30 anos de idade. Até mesmo as camadas
mais altas sofriam as consequências dos precários recursos da medicina da época,
pois as doenças fatais e a mortalidade infantil não poupavam as famílias
aristocráticas. Mas, sem dúvida, era entre os camponeses que as deficiências de
vida se faziam sentir mais fortemente.
São numerosos os relatos e as
miniaturas da época que testemunham o deplorável estado de saúde dos homens da
Idade Média. Tuberculoses e dermatoses, especialmente a lepra, eram flagelos
constantes, aos quais se somavam deformações de todo tipo (cegueira, paralisia,
defeitos físicos) dramaticamente representados na obra de pintores como Peter
Bruegel, o Velho e Hieronimus Bosch.
Para todos esses males,
receitava-se um só remédio: a expiação. Em épocas de epidemia, organizavam-se
procissões, romarias e atos públicos de penitência. E para cada dor ou moléstia
recorria-se a um padroeiro específico: Santo Agapito para dor de dente; São Brás
para dor de garganta; São Firmino para o raquitismo; São Ciro para cólicas; São
Cornélio para convulsões, e assim por diante.
O mundo medieval era o mundo do
medo. Temiam-se as más colheitas, a fome, as doenças. E, segundo as crenças
populares, só a religião poderia oferecer a segurança almejada, fazendo
milagres inimagináveis, e até mesmo ressuscitando os mortos. Bastava invocar o
santo do dia para que o pedreiro, por exemplo, se mantivesse miraculosamente
sustentado no ar, quando lhe despencasse o andaime. E, embora houvesse a
esperança de uma vida eterna destituída de surpresas e de morte, havia ainda o
pavor da condenação ao inferno, que dava a essa outra vida o mesmo cunho de
insegurança e tornava ainda mais penosa a vida terrena.
HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES. São
Paulo: Abril Cultural, 1975. p. 180-182. Volume 2.
NOTA: O texto "Idade Média: O mundo do medo" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário