Safo canta para Homero, Charles Nicolas Rafael Lafond
Durante o século VIII a.C., logo após a Idade das Trevas, viveu o poeta Homero. Suas grandes epopéias, a Ilíada e a Odisséia, ajudaram a moldar o espírito e a religião dos gregos. Homero foi quem primeiro modelou a mentalidade e o caráter dos gregos. Séculos a fio, a juventude grega cresceu recitando os poemas homéricos e admirando seus heróis, que lutavam pela honra e enfrentavam o sofrimento e a morte com coragem.
Homero foi um gênio poético,
capaz de desvendar, em poucos e brilhantes versos, os mais profundos
pensamentos, sentimentos e conflitos humanos. Os personagens criados por ele,
complexos em seus motivos e manifestando emoções humanas poderosas – como ira,
vingança, culpa, remorso, compaixão e amor -, iriam intrigar e inspirar os
escritores ocidentais até o século XX.
Estatueta de Homero. Terracota. Necrópole de
Contrada Diana, Lipari. Século III a.C.
Foto: Jastrow
A Ilíada narra, de forma poética, um pequeno episódio do último ano
da guerra de Tróia, ocorrida séculos antes da época de Homero, durante o período
micênico. O tema de Homero é a ira de Aquiles. Ao despojar “o rápido e
excelente” Aquiles do seu justo prêmio (a jovem prisioneira Briseida), o rei Agamenon
ofendeu seriamente a honra de Aquiles e violou o preceito solene de que aos heróis
de guerra deviriam tratar-se com respeito. Com o orgulho ferido, Aquiles
recusa-se a lutar ao lado de Agamenon na batalha contra Tróia. Aquiles intenta
preservar sua honra demonstrando que os gregos não podem prescindir do seu
valor e da sua bravura militar. Somente depois que muitos bravos homens são
assassinados, entre eles seu dileto amigo Pátroclo, Aquiles deixa de lado sua
rixa com Agamenon e entra no combate.
Homero utiliza um acontecimento particular, a disputa entre um Agamenon arrogante
e um Aquiles vingativo, para demonstrar uma lei universal – que a “perversa arrogância” e a “ruinosa cólera” serão
causa de muito sofrimento e morte. Homero demonstra que há uma lógica interna
na existência humana. Para Homero, afirma o classicista britânico H. D. F.
Kitto, “a toda ação corresponde uma conseqüência; uma ação mal avaliada
acarreta maus resultados”. As ações das pessoas, e mesmo dos deuses, obedecem a
certo padrão fixo; seus feitos estão subordinados aos desígnios do destino ou
da necessidade. Com a visão de um poeta, Homero compreendeu aquilo que se
tornaria uma atitude fundamental da mente grega: a existência de uma ordem universal
para as coisas. Os gregos mais tarde a formulariam em termos filosóficos e
científicos.
Apoteose de Homero, Jean Auguste Dominique Ingres
Em Homero encontramos também a
origem do ideal grego de areté, excelência.
O guerreiro homérico expressa um desejo ardente de afirmar-se, de demonstrar
seu valor, de alcançar a glória que os poetas imortalizariam em seus cantos. No
mundo aristocrático e guerreiro de Homero, a excelência era interpretada
principalmente como bravura e habilidade na batalha. Vemos também na descrição
de Homero o germe de uma concepção mais ampla da excelência humana: a que une o
pensamento à ação. Um homem de real valor, diz o sábio Fênix ao renitente
Aquiles, é “hábil no falar e destro nas ações”. Nessa passagem encontramos a
primeira afirmação do ideal grego de educação – a formação de um homem que,
afirma o classicista Werner Jaeger, “uniu a nobreza da ação à nobreza da mente”,
que compreendeu “todas as potencialidades humanas”. Desse modo, encontram-se em
Homero as origens do humanismo grego – a preocupação com o homem e suas
realizações.
As obras de Homero são
essencialmente uma expressão da imaginação poética e do pensamento mítico. No
entanto, na sua visão da ordem eterna da natureza e na sua concepção do indivíduo
em luta pela existência, estão os fundamentos da maneira de ver grega.
Embora Homero não tenha atribuído
qualquer significação teológica a sua poesia, o tratamento que conferiu aos
deuses teve importantes implicações religiosas para os gregos. Com o correr do
tempo, suas epopéias formaram a base da religião olímpica, aceita em toda a Grécia.
Afirmava-se que os principais deuses moravam no monte Olimpo, em cujo cume se
situava o palácio de Zeus, a divindade mais importante. A vida cotidiana dos
gregos estava impregnada de religião. Com o correr do tempo, porém, a religião
tradicional seria desafiada e enfraquecida por um crescente espírito secular e
racional.
PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 45-47.
NOTA: O texto "Homero, o modelador do espírito grego" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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