Eu sou América, / sou o Povo da Terra, / da Terra-sem-males, / o Povo dos Andes, / o Povo das Selvas, / o Povo dos Pampas, / o Povo do Mar... Eu tinha uma cultura de milênios, / antiga como o sol [...] Eu vos dei / o milho da espiga apertada e repartida, / o bulbo generoso da mandioca, [...] o guaraná cheiroso da floresta, / o caldo assossegante do chimarrão do Sul. [...] A canoa, voadora nas águas. [...] Eu era toda América, / eu sou ainda América, / eu sou a nova América!
[“A terra sem males”, Ameríndia, morte e vida, Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra]
Representação do Mercado de Tlatelolco
A civilização asteca, cujo centro era a atual Cidade do México, impressionou os colonizadores espanhóis pelas dimensões dos seus templos e pelo planejamento e riqueza das suas cidades. Por outro lado, os espanhóis ficaram horrorizados com os sacrifícios humanos praticados sistematicamente pelos astecas em seus rituais religiosos.
Os europeus se impressionaram também com as cidades, as
estradas e os terraços cultivados do Império Inca. Ficaram igualmente
deslumbrados com os maias e suas pirâmides.*
O que foi valorizado nesses povos coincidia com o que era
conhecido. Os europeus só souberam valorizar nas culturas americanas o que já
valorizavam na sua própria cultura. Foi mais um fenômeno de reconhecimento do
que de valorização de uma cultura estranha.
Todavia, mesmo se considerarmos os critérios europeus, as
culturas americanas pré-colombianas impressionam pelas suas realizações.
Algumas delas estavam prestes a criar um sistema de escrita
funcional e com grande capacidade de utilização prática. Os metais já começavam
a ser trabalhados e nada impediria que a metalurgia tivesse um desenvolvimento
significativo na América. Podemos citar ainda, entre outras coisas, as
observações astronômicas dos povos americanos, que resultaram em calendários
precisos e úteis.
A agricultura americana apresenta inúmeras evidências de que
a capacidade do homem americano nada ficou a dever à dos europeus, asiáticos e
africanos. Aqui eram cultivados, com técnicas agrícolas de alto nível, milho,
feijão, abóbora, pimenta, mandioca, cacau, algodão, amendoim, inhame, fumo,
batata e muitos outros produtos. Só um exemplo: as populações andinas
cultivavam centenas de variedades de batata, aclimatadas a cada altitude, a
cada ambiente das montanhas.
Cidades, governos, burocracia, sacerdotes e religiões
sistematizadas e complexas floresceram na América. Solucionaram problemas
ligados à irrigação, à construção de monumentos e de palácios.
Todavia, se conseguimos escapar dos critérios tradicionais
de avaliação, enxergaremos muito mais. Ficaremos impressionados diante de
línguas que, pela declinação, determinam em que posição se encontra quem está
falando: perto, longe, sentado, em pé, deitado. Observaremos a complexidade dos
sistemas de parentesco. Perceberemos, como já observara Claude D'Abbeville no
século XVI, a enorme capacidade de argumentação e de abstração dos Tupinambá.
Essas considerações impedem, inclusive, uma classificação
dos povos americanos em uma escala de desenvolvimento. Por quais critérios
poderíamos afirmar que os incas eram mais desenvolvidos do que os Tupinambá?
Obviamente, por critérios europeus, mas aí deixaríamos de avaliar a
especificidade das manifestações culturais estranhas à escala de valores dos
europeus.
Dessa forma, o que é possível perceber, a partir de uma
visão mais crítica, é que a conquista e a colonização da América pelos europeus
implicavam uma grande ruptura de vários processos de evolução cultural que
ocorriam na América. Só hoje, a partir de inúmeras pesquisas históricas e
antropológicas, é possível avaliar a catástrofe cultural que representou a
conquista da América pelos europeus. O que se nota é a interrupção de variadas
experiências de organização social.
Embora as culturas pré-colombianas ainda estejam presentes
nas sociedades latino-americanas, os valores herdados do Velho Mundo se
apresentam como superiores e desejados. O que se preserva das culturas
ameríndias, de uma maneira geral, é identificado como símbolo de atraso ou é
folclorizado.
Todavia, na situação de impasse na qual se encontra a
denominada civilização ocidental, recuperar as experiências culturais dos povos
americanos pode apontar novos caminhos. A capacidade de o Império Inca cuidar
de velhos, doentes e crianças ou de se prevenir catástrofes naturais podem ser
exemplos a seguir.
Mas o reverso do antropocentrismo europeu - valorização da
cultura à qual pertencemos e a incapacidade de entender concepções diferentes
da nossa - é a idealização das culturas pré-colombianas. Isso leva a ver nos
povos indígenas um ideal de organização social, quando, na verdade, se trata de
experiências históricas e culturais diferentes da nossa, que, se não são
inferiores, tampouco são superiores. PEDRO, Antonio et alli. História da
civilização ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p. 177-178.
Estatueta de homem maia rico. A civilização
maia, que ocupou o sudeste do México, a Guatemala e Belize, teve seu apogeu
entre 300 e 900 d.C. Os maias destacaram-se por sua arquitetura e pelo alto
nível de desenvolvimento de suas cidades. Tinham um avançado conhecimento
matemático e criaram um calendário muito preciso e um sistema de escrita por
hieróglifos.
*[...] Foi em Teotihuacan, em Monte Albán e em várias cidades maias que a escrita, o calendário, o comércio de longa distância, o modelo de urbanismo, as concepções cosmológicas e cosmográficas, o modelo de organização político-social e muitas outras características se consolidaram como traços comuns a toda a região, traços estes que foram adotados pelos povos que migraram para a Mesoamérica por essa época e que continuaram a ser muito perceptivos no novo período da história mesoamericana. SANTOS, Eduardo Natalino dos. Deuses do México indígena: estudo comparativo entre narrativas espanholas e nativas. São Paulo: Palas Athena, 2002. p. 64.
Machu Pichu, cidade inca.
Mural em Teotihuacán representando águia e jaguar
Palenque. Pirâmides maias.
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