"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Meios de comunicação, violência urbana e dominação política no Brasil contemporâneo

A modernização imposta pelo regime militar teve como uma das mais importantes decorrências a expansão das telecomunicações. Na década de 1970, houve uma verdadeira revolução dos meios de comunicação no Brasil com a criação da Telebrás.

A expansão da televisão brasileira, com a formação de uma rede nacional, só foi possível com a atuação do Estado brasileiro, que montou uma poderosa infra-estrutura de telecomunicação. Não é coincidência o fato de, em 1965, menos de um ano depois do golpe, ter sido criada aquela que se tornaria a maior rede de televisão do país. Essa rede passou a vender uma nova mercadoria, o entretenimento. Ou seja, a diversão como mercadoria controlada pelas grandes empresas de propaganda como base fundamental para a difusão de padrões modernos de consumo e dos estilos de vida.

Esse tipo de divertimento era transmitido na década de 1960 para cerca de 1 milhão de aparelhos de televisão. Já em 1979 havia cerca de 17 milhões de televisores. No início do novo milênio, 97% da população com mais de 10 anos assiste a programas televisivos. Paradoxalmente, são os pobres que mais tempo ficam na frente da televisão.

A propaganda veiculada na televisão e em outros meios acaba criando necessidades numa sociedade constituída por uma maioria de pobres. Impõe-se uma desesperada corrida ao consumo, mantendo as pessoas em permanente estado de insatisfação, de intranquilidade e de ansiedade. O consumo acaba preenchendo a vida sem sentido provocada pelo trabalho subalterno. Fica-se com a ideia de que o cidadão só se "realiza" se estiver consumindo. E como a maioria não tem acesso aos produtos anunciados, ficamos, dessa forma, presos ao poder de propaganda, que nos cria necessidades impossíveis de serem realizadas.

Os meios de comunicação não estão submetidos a nenhuma restrição, nenhum tipo de controle público. Dessa forma, difundem, como querem, valores morais, estéticos e políticos segundo os interesses de anunciantes ou de governos. Por isso, determinam comportamentos e atitudes de indivíduos e da coletividade, disseminando valores de duvidoso conteúdo cultural e moral, o que, certamente, acaba por limitar a autonomia do indivíduo, os direitos do cidadão e o acesso à cultura.

Uma pesquisa feita em 1992 e 1993 demonstrou que a televisão apresenta programas com oito cenas de violência por hora. Essas cenas são transmitidas e retransmitidas pelas emissoras de TV em todo o país, atingindo 99% do território nacional.

Coincidentemente ou não, a violência urbana tem aumentado nos últimos anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou o aumento dos índices de pobreza relacionando-o com o crescimento da criminalidade: 32 milhões de adolescentes vivem na miséria, 18 milhões de pessoas com mais de 15 anos são analfabetas. A violência na Grande São Paulo cresceu 47% na segunda metade da década de 1990. Todos os dias são assassinadas de doze a quinze pessoas nessa metrópole.


Dados mais recentes, de pesquisa realizada por instituições ligadas à ONU, indicam que grande parte dos 30 mil homicídios por ano que ocorrem no Brasil estão ligados ao tráfico e ao consumo de drogas. Cerca de 20 mil jovens entre 10 e 16 anos são usados pelos traficantes como "aviõezinhos", como são chamados os entregadores de drogas. Essas crianças recebem entre 300 e 500 dólares por mês. Isso é incomparavelmente mais rendoso do que qualquer emprego que possam arrumar.

Nos últimos dez anos o consumo de anfetaminas no mundo cresceu 150%, o de maconha, 325%, e o de cocaína, cerca de 700%. A rentabilidade da cocaína é maior do que qualquer outra atividade econômica, legal ou ilegal. Os governos recentes têm feito algum esforço para integrar mais de 50 milhões de pessoas que sobrevivem com menos de 2 dólares por dia, mas os efeitos são demorados e ainda pequenos.

Certamente, a violência não pode ser explicada unicamente pela atuação dos meios de comunicação ou creditada às privações materiais. Mas ambas têm contribuído bastante para a desvalorização da vida e dos direitos humanos. Em vários programas de televisão vemos isso. Programas diários de reportagens em que os bandidos, quase sempre pobres e afro-descendentes (pardos, na linguagem policial-jornalística), são perseguidos de forma violenta e submetidos ao julgamento público. Ou então vemos as disputas da vida privada dos pobres, que já não confiam na justiça oficial, mostradas por apresentadores que humilham publicamente as pessoas.

É essa situação de desesperança que acaba por incentivar comportamentos místicos. Por isso, não é difícil entendermos a razão do surgimento, nas últimas décadas, de grupos religiosos, especialmente o que chamamos de "pastores eletrônicos", com longas horas de programas no rádio e na televisão. É notável também o refúgio na astrologia, nos adivinhos, nos tarólogos, na literatura de auto-ajuda.

Pode-se perceber, a partir daí, que a concentração dos meios de comunicação nas mãos da elite transforma-se em poderosa arma política. Com certeza a democratização dos meios de comunicação contribuiria para uma possível reversão desse quadro.

PEDRO, Antonio et alli. História da civilização Ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p. 523-524.

Nenhum comentário:

Postar um comentário