Um relatório japonês sobre as bombas caracterizou Nagasaki "como
um cemitério sem uma única lápide de pé". Cpl. Lynn P. Walker, Jr.
Às 11h02 min do dia 9 de agosto de 1945, explodiu sobre Nagasáqui a segunda bomba atômica lançada sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial (a primeira fora lançada antes sobre Hiroshima). Paulo Nagai, médico japonês que estava em Nagasáqui na hora da explosão, ficou ferido, mas ainda assim prestou os primeiros socorros aos sobreviventes. O relato a seguir é de sua autoria:
"Todos me chamavam ao mesmo tempo: eram doentes do hospital que tinham sobrevivido, ou melhor, não tinham ainda morrido... Como a explosão se dera na hora de maior movimento, na hora que funcionava o ambulatório para doentes externos, os corredores, as salas de espera, os laboratórios, eram um amontoado de corpos, corpos nus de feridas expostas, corpos nus com a pele em tiras, corpos nus que pareciam de argila pela cinza que aderira a eles. Espetáculo tão tremendo, que não se podia imaginar que se tratasse de seres humanos, nem que semelhante quadro pudesse jamais existir... Dessa alucinante massa de carne, arrastavam-se lentamente aqueles em que existia ainda um sopro de vida; cercavam-me, agarravam-me as pernas: 'Salve-me, doutor' - gemiam eles. Alguns, impossibilitados de falar, exibiam apenas as suas chagas.
[...] Vinte minutos tinham se passado depois da explosão. Toda a região de Urakami ardia em grandes labaredas. O próprio centro do hospital já pegara fogo. Somente a ala direita, ao longo da colina, permanecia intacta. Mas não tínhamos mais material ou ajudantes; era deixar se propagar o incêndio e contemplar o espetáculo medonho: corpos nus cambaleando, tropeçando, continuavam a escalar a colina para fugir da fornalha. Duas crianças passaram, arrastando o pai morto. Uma mulher jovem corria, apertando contra o peito o filho decapitado. Um casal de velhos, mãos dadas, subiam juntos, lentamente. Outra mulher, com as vestes repentinamente ateadas, rolou pela colina abaixo como uma bola de fogo. Um homem enlouquecera e dançava em cima de um telhado, envolto em chamas. Alguns fugitivos voltavam-se a cada passo, enquanto outros caminhavam firme para a frente, apavorados demais para voltar. [...] Por detrás desta gente, as labaredas avolumadas aproximavam-se cada vez mais. Felizes ainda eram esses 10% que escaparam do inferno; os outros, presos e soterrados sob escombros, morriam queimados vivos.
[...] A pressão imediata foi tamanha que, no raio de um quilômetro, todo ser humano que se encontrava do lado de fora, ou num local aberto, morreu instantaneamente ou dentro de poucos minutos. A quinhentos metros da explosão, uma jovem mãe foi encontrada com o ventre aberto, seu futuro bebê entre as pernas. Muitos cadáveres perderam suas entranhas. A setecentos metros, cabeças foram arrancadas e, por vezes, os olhos saltaram das órbitas. Alguns, em consequência de hemorragias internas, estavam brancos como folhas de papel, os crânios fraturados deixavam destilar o sangue pelos ouvidos. O calor chegou a tal violência que, a quinhentos metros, os rostos foram atingidos a ponto de ficarem irreconhecíveis. A um quilômetro, as queimaduras atômicas tinham dilacerado a pele, fazendo-a cair em tiras, dando-lhe um tom marrom avermelhado e deixando à vista a carne sangrenta. A primeira impressão não foi, segundo parece, a de calor, mas a de dor intensa, seguida de frio excessivo. A pele levantada era frágil e saía facilmente. A maioria das vítimas morria com rapidez."
NAGAI, Paulo. Os sinos de Nagasáqui. São Paulo: Flamboyant, 1956. In: DIAS JÚNIOR, José Augusto; ROUBICEK, Rafael. O brilho de mil sóis: história da bomba atômica. São Paulo: Ática, 1994. p. 48-9.
Nenhum comentário:
Postar um comentário