JK: o presidente bossa-nova
Nas forças armadas, paralelamente aos nacionalistas e antinacionalistas, havia aqueles dispostos a garantir que a Constituição fosse respeitada. Alguns autores definem esse segmento como "legalistas". A suspeita de que o presidente estava tramando um novo golpe fez com que os antinacionalistas conseguissem apoio dos legalistas. É nesse contexto que se interpreta o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em 24 de agosto de 1954: um derradeiro gesto político, através do qual ele conseguiria sensibilizar as massas populares, ao mesmo tempo que esvaziava a aliança golpista no interior das forças armadas.
Dessa vez, o presidente acerta: os levantes populares que se
seguiram a seu suicídio inviabilizaram a ação militar. No período que se
estende até 1955 são preparadas novas eleições presidenciais. Sintomaticamente,
a UDN busca um candidato militar na figura do general Juarez Távora. O PTB, por
sua vez, procura se aproximar do PSD, que tem como candidato Juscelino
Kubitschek. Combatendo o salário mínimo, o direito de greve e o ensino
gratuito, os udenistas são novamente derrotados. Juscelino e o vice-presidente
eleito, João Goulart, não encontram um ambiente político favorável. Alegando a
necessidade de maioria absoluta nas votações presidenciais, em 11 de novembro
de 1955, os quartéis voltam a dar sinais de descontentamento. Uma vez mais a
corrente militar antinacionalista tenta conseguir apoio dos legalistas, mas
esses últimos se negam e garantem a posse do novo presidente.
[...] após 1945, as intervenções militares no sistema
político não eram um fato isolado, mas sim uma prática rotineira, que irá se
repetir em 1961, alcançando, em 1964, o sucesso esperado. Voltemos, porém, a
Kubitschek. Ele representou uma ruptura? Ora, no melhor estilo do PSD mineiro,
do qual ele era originário, a resposta é "sim e não". Em outras
palavras, o novo presidente procurou conciliar bandeiras comuns aos nacionalistas
e antinacionalistas. Promove os primeiros no exército, aprofunda práticas de
intervencionismo estatal, mas, ao mesmo tempo, abre a economia para os
investimentos estrangeiros.
O novo governo, aliado ao PTB, conserva traços populistas.
No entanto, a política econômica representa uma alteração profunda em relação
ao modelo precedente. Durante os dois governos Vargas, a prioridade do
desenvolvimento nacional consistiu no crescimento da indústria de base,
produtora de aço ou de fontes de energia, como o petróleo ou a eletricidade.
Naquele modelo, a iniciativa estatal predominava e os recursos para o
crescimento econômico advinham da agricultura de exportação. Pois bem,
Juscelino Kubitschek altera a forma de nosso crescimento industrial,
instituindo o que os historiadores economistas chamam de tripé: a
associação de empresas privadas brasileiras com multinacionais e estatais,
essas últimas responsáveis pela produção de energia e insumos industriais.
A diferença desse modelo em relação ao anterior estava no
fato de os bens duráveis, como foi o caso da produção de automóveis por
multinacionais, passarem a ser o principal setor do processo de
industrialização. Graças ao investimento das empresas estrangeiras, a nova
economia brasileira tornar-se-ia mais independente em relação às crises do
setor agro-exportador. No entanto, o modelo tripé tinha
consequências nefastas. Por disporem de fartos recursos de seus países de
origem, a produção das multinacionais aqui instaladas podia crescer em ritmo
mais acelerado do que a produção de base, implicando assim um aumento das
importações de insumos industriais, fator responsável pelo progressivo
endividamento externo do Brasil. Mais ainda: para estimular a implantação
dessas empresas foram facilitadas as remessas de lucros para as matrizes, o que
implicava no desvio de valiosos recursos da economia brasileira.
A curto prazo, porém, o modelo industrial de Juscelino foi
um sucesso. A economia atingiu taxas de crescimento de 7% e até mesmo 10% ao
ano. Isso permitiu que um ambicioso Plano de Metas -
popularmente conhecido como "50 anos em 5" - alcançasse um
estrondoso sucesso. As rodovias são multiplicadas, o número de hidrelétricas
cresce além do previsto, o mesmo ocorrendo com a indústria pesada. Na área de
produção de alimentos, o presidente estimula uma tendência, existente desde os
anos de 1930, que consistia em ampliar a fronteira agrícola em direção a Goiás
e Mato Grosso - o que, aliás, levou ao extermínio de novos povos indígenas.
Coroando essa política ambiciosa, a capital é transferida: no cerrado do Brasil
central surgia Brasília.
Diante de tais feitos, a própria UDN abandonou
provisoriamente o discurso anticomunista, em prol de críticas à má gestão dos
negócios públicos, à corrupção e à inflação que se intensifica no período.
Apesar disso, respira-se certa tranquilidade política, pois o crescimento
econômico também permitiu o aumento dos salários - que, em termos reais, no ano
de 1959, atingiram valores até hoje não ultrapassados -, reforçando assim o
apoio dos trabalhadores ao PTB, base aliada do governo juscelinista.
PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de
ouro da História da Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 338-340.
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