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Comício das Reformas (Última Hora)
Em 25 de agosto de 1961, o país entrou em uma profunda crise política. A renúncia de Jânio implica a posse do vice-presidente, João Goulart. Esse último, em viagem diplomática à China. era hostilizado por importantes segmentos das forças armadas e do meio empresarial. Há razão para tanto? Lembrem-se: ele havia sido o responsável pelo aumento de 100% do salário mínimo - motivo suficiente para ser identificado com uma nebulosa política denominada "república sindicalista". Além disso, Goulart pertencia à corrente nacionalista, partidária da implementação de "reformas de base" da sociedade brasileira que [...] contrariavam poderosos interesses.
Os próprios ministros militares do governo que ele presidiria manifestaram-se contra sua posse. Tal recusa, porém, estava longe de contar com o apoio do conjunto das forças armadas. Goulart havia sido eleito pelo voto direto e, de acordo com as normas constitucionais, isso fazia com que a ala legalista do exército se posicionasse favoravelmente a sua posse. Explorando habilmente essa divisão, Leonel Brizola, que no início dos anos de 1960 despontava como nova liderança nacional do PTB, consegue apoio do III Exército. O então governador do Rio Grande do Sul também cria a Cadeia da Legalidade, lançando, através dos meios de comunicação de massa, uma campanha nacional pela posse do presidente.
O Golpe de 1961 é, dessa maneira, evitado. No entanto, foram necessárias concessões políticas por parte de João Goulart. A mais importante delas foi a adoção do parlamentarismo, através do qual se transferia para o congresso nacional e para o "presidente do conselho de ministros", aí eleito, boa parcela das prerrogativas do poder executivo.
Aproximadamente duas semanas após a renúncia, o novo presidente assume o cargo. Novas conspirações têm início. Um aspecto crucial relativo à adoção do parlamentarismo era aquele que previa, nove meses antes do término do mandato presidencial, a realização de um plebiscito no qual se confirmaria a manutenção dessa forma de governo.
A experiência parlamentarista, implementada às pressas, revela-se um fracasso. A crise econômica conjuga-se então com a quase paralisia no sistema político. Auxiliado por tais circunstâncias e pela campanha que faz, João Goulart consegue não somente antecipar o plebiscito, como também dele sair vitorioso. Em janeiro de 1963, o Brasil voltava a ser presidencialista. Dessa data até março de 1964, assistiremos a uma progressiva radicalização entre os setores nacionalistas e antinacionalistas. [...]
[...] por volta de 1945, a economia brasileira tornava-se predominantemente industrial. A partir dessa época, as possíveis formas de aceleração do processo de desenvolvimento econômico passam a ser o foco de discussões. Pois bem, uma das soluções dessa última forma de desenvolvimento, havia aqueles partidários da reorganização de nosso mundo rural. Para eles, o campo brasileiro mantinha estruturas econômicas pré-industriais, impedindo que a população aí existente fosse integrada ao mercado consumidor. Mais ainda: nossa agricultura, baseada em grandes propriedades e na lavoura de exportação, abastecia precariamente a cidade, elevando o custo de vida e fazendo com que, entre os trabalhadores, sobrassem poucos recursos para a aquisição de produtos industriais. A formação de latifúndios improdutivos tinha ainda outro efeito negativo: desviava capitais de atividades econômicas mais dinâmicas. Em outras palavras, sem a reforma agrária a economia brasileira estaria fadada à estagnação ou, então, a uma crescente dependência em relação aos investimentos estrangeiros.
[...] o debate a respeito da alteração de nossas estruturas agrárias está longe de ser meramente técnico. Em torno dele digladiavam-se, como digladiam-se em nossos dias, interesses econômicos e paixões políticas. Não por acaso, nem mesmo governos transformadores, como os de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, implementaram projetos dessa natureza. Na verdade, pode-se afirmar mesmo o inverso. Desde os anos de 1930, a ênfase dada à industrialização levou, na maioria das vezes, a restrições ao crédito rural e a uma política cambial desfavorável aos produtores agrícolas. Esses, por sua vez, mantiveram suas respectivas taxas de lucro aumentando o nível de exploração dos trabalhadores, o que acabou estimulando imigrações urbanas e sentimentos de revolta.
[...] o campo brasileiro nem sempre adotou o trabalho assalariado. Em várias partes, colonos, rendeiros, meeiros e "moradores de favor" é que de fato substituíram o braço cativo. Nesse meio era comum fazendeiros cobrarem prestação de serviços em troca de moradia, alterarem livremente os acordos de partilhas das colheitas ou mesmo mandarem embora trabalhadores sem indenização alguma. Em 1955, a revolta frente a essa situação cristaliza-se na forma de Ligas Camponesas, organizadas por Francisco Julião, advogado com longa experiência em defesa dos trabalhadores e pequenos proprietários rurais. Inicialmente as ligas se estabelecem em Pernambuco e na Paraíba, para depois se espalharem por outros estados brasileiros, como Rio de Janeiro e Goiás. Seu lema era o de levar justiça ao campo através da reforma agrária, "na lei ou na marra", o que implicava invasões de propriedades rurais, criando um clima de terror em parte da elite brasileira.
Outro aspecto interessante dessa nova organização era que ela fugia ao controle das tradicionais instituições populistas, como era o caso dos sindicatos vinculados ao PTB. De fato, pode-se afirmar que as ligas e seu líder eram hostis a João Goulart. Em 1962, essa postura ganha alcance nacional. Francisco Julião, eleito deputado federal pelo PSB, apóia vitoriosamente o prefeito do Recife na disputa pelo cargo de governador. Seu nome: Miguel Arraes. João Goulart enfrenta agora não apenas uma oposição à direita, como à esquerda também; talvez por isso, o presidente tente reforçar a base de apoio popular se aproximando do PCB. [...]
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Ora, de forma simplificada, podemos afirmar que, para o PCB, os membros da UDN e parte do PSD representavam os interesses feudais, ao passo que o PTB aglutinaria os grupos pertencentes à nascente burguesia nacional. Não é de estranhar, portanto, que os comunistas vissem com bons olhos a ascensão de João Goulart, defensor da reforma agrária e hostil ao capital internacional. Além disso, a aproximação do PCB com o PTB atendia a necessidades práticas, como era o caso da legalização partidária dos comunistas. Por outro lado, Goulart procurava tirar vantagens dessa aliança. Um exemplo disso refere-se às mencionadas ligas camponesas. No início dos anos 1960, comunistas e trabalhistas levaram a cabo uma bem-sucedida campanha de filiação sindical dos trabalhadores do campo. Na época do fim do parlamentarismo, enquanto as ligas contavam com 80 mil associados, registrava-se a existência de 250 mil trabalhadores agrícolas sindicalizados, o que enfraquecia o segmento oposicionista Julião-Arraes em sua própria base eleitoral.
A aproximação PTB/PCB também deve ser entendida como um último recurso, frente ao fracasso do presidente em promover uma política moderada. Goulart naufraga em suas articulações com a Frente Parlamentar Nacional, que integrava até mesmo udenistas favoráveis a reformas estruturais da sociedade brasileira. O mesmo ocorre em sua tentativa de criar a União Sindical dos Trabalhadores, confederação destinada a enfraquecer o Comando Geral dos Trabalhadores, controlado pelo PCB. Em termos de política econômica, seu resultado também é medíocre. A equipe de seu primeiro ministério, liderada por San Thiago Dantas e Celso Furtado, tenta, sem sucesso, implementar o plano trienal, que previa a captação de recursos internacionais, assim como austeridade no gasto público, crédito e política salarial. Tal fracasso tem graves repercussões: registra-se, então, uma recessão e uma inflação com taxas jamais vistas.
Cada vez mais isolado entre as elites, Goulart procura apoio na ala radical do trabalhismo, liderada por Leonel Brizola - defensor da mobilização popular como uma forma de pressionar para obter as reformas de base. Em outubro de 1963, as conspirações contra seu governo se proliferam. Pressionado pela ala legalista do exército, o presidente tenta decretar estado de sítio, mas é sabotado no congresso pelo próprio partido, perdendo, assim, o pouco do prestígio que lhe restava junto às forças militares.
Apesar de sua frágil situação, Goulart não reavalia o projeto reformista. Desde a posse, o presidente mantinha uma postura ambígua, ora tentando implementar uma política moderada, ora apelando para a mobilização popular de modo a forçar o congresso a aprovar reformas. Em parte devido à inflação, e também a essa política populista, as greves se multiplicam. Assim, é possível afirmar, por exemplo, que de 1961 a 1963 ocorreram mais movimentos grevistas do que no período compreendido entre 1950 e 1960. No que diz respeito às greves gerais, ou seja, aquelas envolvendo várias categorias sócio-profissionais, o aumento registrado no mesmo período é de 350%. Não é difícil imaginar os transtornos criados nos serviços básicos de saúde e de transportes coletivos por esse tipo de prática, tornando o presidente bastante impopular junto às classes médias e fatias importantes dos trabalhadores. Mais ainda: observava-se, durante seu governo, o declínio acentuado da repressão aos grevistas, dando munição aos que disseminavam, entre as elites, o medo em relação à implantação de uma república sindicalista no Brasil.
No início de 1964, o presidente encaminha ao congresso um projeto de reforma agrária e é derrotado. Através de mobilizações de massa tenta pressionar o poder legislativo. No comício de 13 de março, que reuniu cerca de 150 mil participantes, anuncia decretos nacionalizando refinarias particulares de petróleo e desapropriando terras com mais de 100 hectares que ladeavam rodovias e ferrovias federais. As medidas são acompanhadas por declarações bombásticas, como aquelas de Brizola, defendendo a constituição de um "congresso composto de camponeses, operários, sargentos e oficiais militares". A direita reage a esse tipo de manifestação, organizando, com o apoio da Igreja católica e de associações empresariais, "marchas da família com Deus pela liberdade", através das quais condenava o que julgava ser o avanço do comunismo no Brasil.
Em um lance extremamente infeliz, Goulart estende a arregimentação sindical aos quartéis. Em fins de março, apóia uma revolta de marinheiros, deixando que esses últimos participassem da escolha do novo ministro da Marinha, assim como mobiliza os sargentos do Rio de Janeiro. A quebra da hierarquia militar era o item que faltava para que os conspiradores conseguissem apoio da ala legalista das forças armadas. Em 31 de março é deposto o presidente. A UDN, através de dois governadores, Magalhães Pinto, Minas Gerais, e Carlos Lacerda, Guanabara, participa ativamente no golpe. [...]
PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 345-351, 353.
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