Nos jornais toda a história de uma época.
A renúncia de Jânio Quadros (Folha da Tarde)
Mas a calmaria não duraria muito. Ao longo da redemocratização surgiram vários partidos políticos que, na maior parte do tempo, não chegavam a ameaçar o controle das três agremiações dominantes. Quase sempre de pouca duração, esses pequenos partidos, às vezes, tinham designações pitorescas, como União Social pelos Direitos do Homem, Partido Industrial Agrícola Democrático ou Partido Nacional Evolucionista, para mencionarmos apenas alguns exemplos. Vez por outra, porém, a fragmentação partidária permitia a ascensão de políticos não vinculados às organizações tradicionais. Com certeza o exemplo mais bem-sucedido desse tipo de trajetória foi Jânio Quadros, que, a partir de 1947, foi eleito sucessivamente vereador, deputado estadual, prefeito e governador pelo Partido Democrático Cristão.
O anticomunismo e a retórica moralista de Jânio em muito
agradavam aos udenistas. Misturando o discurso conservador com práticas
populistas, Jânio parecia conseguir o impossível: ser de direita e conquistar o
apoio das massas. Não é de se estranhar que dele a UDN tenha se aproximado,
selando uma aliança para as eleições presidenciais de 1960. Do outro lado do
espectro das forças políticas, reproduzia-se a aliança PSD/PTB, com a indicação
do general Lott, da ala nacionalista do exército. Pela segunda vez, também era
candidato à presidência Ademar de Barros, líder populista paulista, concorrendo
pelo Partido Social Progressista.
A vitória janista é esmagadora: ele conseguiu 50% de votos a
mais do que o general Lott e quase 150% a mais do que Ademar de Barros. A UDN
finalmente chegava ao poder. Mas se tratava de uma vitória ambígua. O novo
presidente governa sem consultar a coligação de partidos que o elegeu, seu
ministério inclui inimigos dos udenistas e pessoas escolhidas pelo critério de
amizade. No exército, promove os grupos antinacionalistas. Em relação ao
congresso, tem uma postura agressiva declarando publicamente tratar-se de um clube
de ociosos.
Visando combater os altos índices de inflação herdados do
governo anterior, Jânio implementa uma política econômica austera. No plano
internacional, desagrada a UDN, pois implementa uma política de não-alinhamento
com os Estados Unidos, valorizando acordos comerciais com os países do bloco
comunista. Ao mesmo tempo que tem uma política econômica coerente e é inovador
na política diplomática, o presidente aprova medidas sem nenhuma importância,
mas com grande repercussão nos meios de comunicação, como a proibição do uso de
biquínis em desfile de misses, do hipnotismo em lugares públicos, de corridas
de cavalos em dias de semana, de brigas de galo... Condecora Che Guevara, em
uma aproximação com Cuba- talvez tentando repetir a política internacional
ambígua de Getúlio Vargas, que foi responsável por acordos vantajosos com os
Estados Unidos.
Apesar do tom autoritário, quando não carnavalesco, de seu
governo, o risco de instabilidade política parecia diminuir, a não ser por um
importante detalhe: segundo a legislação da época, vota-se para o
vice-presidente separadamente do cabeça-de-chapa. Ora, na eleição de Jânio,
João Goulart havia sido novamente eleito para o referido cargo. Após pouco mais
de seis meses de governo, o presidente procura explorar a delicada situação,
anunciando a renúncia.
Conforme ele próprio reconhece, em livro organizado alguns
anos mais tarde sobre a História do Povo Brasileiro, seu objetivo
era forçar uma intervenção militar: primeiro, operar-se ia a renúncia;
segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório - visto que a João Goulart, [...], não
permitiriam as forças militares a posse, e, destarte, ficaria o país acéfalo;
terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em consequência da qual ele mesmo
emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime
constitucional, ou bem, sem ele, as forças armadas se encarregariam de montar
esse novo regime... O aprendiz de ditador fracassa por causa da
"vacilação dos chefes militares". Instala-se, porém, uma grave crise
política, cujo desfecho final tem uma data marcada: 31 de março de 1964.
PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de
ouro da História da Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 340-1, 343-4.
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