"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 12 de dezembro de 2015

Lamarca e a guerrilha rural

"Três anos de revolta
no Araguaia
A luta na selva,
lavouras abandonadas,
homens, mulheres e crianças
trucidados nos castanhais.
Vilas bombardeadas
e rios envenenados
- o napalm na floresta.
Foi preciso perseguir cada posseiro,
cada castanheiro e cada agricultor
para conter a guerrilha."
(Os rios envenenados, poema de Carlos Amorim)


Capitão Carlos Lamarca dando instruções ao VPR

Entre as inúmeras teses que faziam os "revolucionários" se consumir em debates intermináveis estava aquela que dividia as ações armadas em guerrilha urbana e guerrilha rural. Uma das teorias mais aceitas entre os que partiram para a luta contra o regime militar era a de que a guerrilha urbana serviria para "arrecadar fundos" (por meio de assaltos a bancos, na época chamados pelos guerrilheiros de "expropriações"), que financiariam a guerrilha rural.

O primeiro foco de guerrilha no campo surgiu em fins de 1966, na serra do Caparaó, fronteira entre Minas Gerais e Espírito Santo. Foi estabelecido por integrantes do Movimento Nacional Revolucionário. Com apenas quatorze guerrilheiros, esse "núcleo" revolucionário foi logo desbaratado pelo Exército, em janeiro de 1967. Mas o MNR deu origem à Vanguarda Popular Revolucionária e, sob a liderança do capitão Carlos Lamarca - desertor do Exército -, a VPR criou um novo foco de guerrilha rural, no vale do Ribeira, região sul do estado de São Paulo. Com apenas nove homens, a guerrilha do vale do Ribeira também foi vencida com facilidade em maio de 1970. Mas Lamarca já se tornara um herói revolucionário.

Em janeiro de 1969, o capitão Carlos Lamarca fugira do quartel de Quitaúna, Osasco (SP), com 63 fuzis FAL, dez metralhadoras INA e três bazucas. Nacionalista de esquerda, Lamarca, nascido em 1937, escapara do expurgo do exército em 1964 e se tornara instrutor de tiro dos funcionários do banco Bradesco - para "protegê-los" dos "terroristas". Mas Lamarca tinha-se tornado marxista em 1957 e, desde 1967, fazia parte da VPR. Escapando do vale do Ribeira, Lamarca e sua companheira Iara Iavelberg, então filiados ao MR-8, foram para a Bahia. Iara ficou em Salvador. Foi presa e morta - embora a versão oficial falasse em "suicídio" - em agosto de 1971. Poucos dias depois, em 17 de setembro, esgotado depois de percorrer o sertão baiano, Lamarca foi surpreendido, junto com o metalúrgico José Barreto, dormindo sob arbustos. Foram ambos fuzilados. Em 1972, o PC do B criou um novo foco guerrilheiro no Araguaia. Cerca de setenta homens resistiram por três anos ao cerco de 10 mil soldados. Em 1973, sem o apoio dos "camponeses", a guerrilha rural foi sufocada no país.

BUENO, Eduardo. Brasil: uma história. São Paulo: Ática, 2005. p. 377-8.

Nenhum comentário:

Postar um comentário