Suffragettes: Annie
Kenney (esquerda) e Christabel Pankhurst. 1908. Fotógrafo
desconhecido
De todas as fronteiras, a da política foi, em todos os países, a mais difícil de transpor. Como a política é o centro da decisão e do poder, era considerada o apanágio e o negócio dos homens, A polis grega exclui as mulheres, tal como os escravos e os bárbaros, mas de maneira diferente. As mulheres podem intervir em caso de crise aguda na qual a existência da polis é posta em risco. Essa stasis (sedição) é, segundo Nicole Loraux, considerada uma catástrofe.
A sacralização do poder dos clérigos, na Idade Média, não é favorável. A Idade Média é "máscula". A aristocracia efetua a troca dos bens e das mulheres segundo o interesse das linhagens e pelo viés dos casamentos abençoados pela Igreja. Em casos excepcionais, admite o poder das damas e confia a regência às rainhas: parênteses a que o Renascimento dá novos matizes pelo retorno a um neoplatonismo, prelúdio da "querela dos sexos". Catarina de Médici se dispõe a contribuir, pelo seu "coração elevado" e sua "suavidade", por suas qualidades propriamente femininas, para a consolidação do absolutismo real, mais másculo do que nunca.
A Revolução Francesa prossegue, nesse ponto, o que fazia o Antigo Regime, pois reconduz a lei sálica, que exclui as mulheres da linha de sucessão, e acrescenta suas razões, todas romanas, para a exclusão política das mulheres. "Cidadãs passivas", as mulheres têm direito à proteção de sua pessoa e de seus bens, elas são feitas para serem protegidas. São quase inimputáveis, por serem desprovidas de responsabilidade e de estatuto jurídico. Para sair dessa situação de assistidas, as mulheres devem passar por provas, mostrar que são indivíduos responsáveis. Nesse sentido, a democracia representa uma potencialidade, a possibilidade de uma inclusão, uma promessa de universalidade. A lógica democrática termina por dissolver os grupos, inclusive a família, e diz respeito a todos os indivíduos: é preciso então ser reconhecido como tal. Era esse o problema das mulheres.
Para resolvê-lo, foi necessária a modernização dos espíritos, a evolução dos costumes, a reivindicação das mulheres (no caso, o sufragismo, inglês, francês, europeu, ocidental) e a ocorrência de comoções, como as guerras. Depois da Primeira Guerra Mundial, muitos países concedem o direito de voto às mulheres. Mas não a França, que esperará o final da Segunda Guerra: a Assembleia consultiva de Argel, pelo ofício de 21 de abril de 1944 (artigo 17), declara: "As mulheres são eleitoras e elegíveis nas mesmas condições que os homens". Enfim. Fora preciso varrer as últimas objeções dos radicais: na ausência dos maridos, prisioneiros, o voto das mulheres, privadas de "seus educadores naturais", não era arriscado? Temiam que, manipuladas pela Igreja da democracia cristã, elas desviassem o voto para a direita. Em 1945, as francesas votam pela primeira vez, com efeito, um pouco mais à direita do que os homens, de quem não deixarão de se aproximar politicamente, constituindo, nos últimos tempos, uma barreira mais forte contra a Frente Nacional.
Porque essa "singularidade" francesa? Foram aventadas várias razões. Primeiramente, a lei sálica, que exclui as mulheres do trono: a rainha, na França, é apenas a "mulher do rei", como foi mostrado por Fanny Cosandey, o que não é o caso em outros países europeus. A Inglaterra (Elisabet I), a Rússia (Catarina, a Grande), a Suécia (a rainha Cristina) e até mesmo a Áustria (Maria Tereza, tão atenta com relação às atitudes de Maria Antonieta, sua filha, na corte da França) têm rainhas soberanas. A construção das relações entre os sexos sob o modo da cortesia e da galanteria, própria à nossa civilidade, colocaria as mulheres fora da arena conflituosa do campo político: com elas, o que se quer é o amor, não a guerra. Mas por que o movimento operário "esqueceu" as mulheres em 1848, quando elas eram tão enfáticas ao pedir o direito de voto? A persistência do holismo familiar, que faz da família a célula elementar da sociedade, representada por seu chefe, foi, segundo Anne Verjus, o principal obstáculo ao estabelecimento do sufrágio "universal". Influem também considerações políticas: p temor do poder oculto da Igreja pela mediação das mulheres influenciadas por ela. É a obsessão de Michelet, que teme o sussurro do confessionário e, mais tarde, a dos radicais.
Pesa, mais ainda, a maneira, o processo segundo o qual a República foi estabelecida na França: o sacrifício sangrento da morte do rei dá à "sagração do cidadão" um aspecto viril e religioso que se combina mal com a fraqueza e a frivolidade das mulheres, indignas de um tal sacerdócio. Enfim, a promoção de uma cidadania universalista e individualista criou para as mulheres uma situação inextricável. Tanto por sua natureza quanto por suas funções, as mulheres não são reconhecidas como indivíduos. [...]
Na França, a política é uma conquista de homem, uma profissão de homem, que os organizadores da democracia, Guizot, por exemplo, sempre evocando a síndrome Maria Antonieta, procuram subtrair aos salões, à palavra e à nefasta influência das mulheres. Ser uma mulher na política, ou ainda, ser uma "mulher política", parece a antítese da feminilidade, a negação da sedução, ou ao contrário, parece dever tudo a ela. Daí os bloqueios, as resistências, que atingem, ao mesmo tempo, o governo e a representação. Apesar da aprovação da lei sobre a paridade (2001), as mulheres são apenas 12% na Assembleia Nacional, um pouco mais no Senado; e pouco numerosas no executivo. É no nível local que elas mais progridem. Entretanto, a perspectiva de uma mulher presidente da República não mais assusta os franceses, que a consideram mesmo com simpatia.
E a Europa, onde nasceu a ideia de paridade, rica de experiências de uma grande diversidade, deve contribuir para a evolução desse aspecto.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2013. p. 151-3.
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