Vista da cidade Maurícia e Recife, 1657, Frans Post
À época da ocupação holandesa, Recife já era uma cidade grande comparada com o restante do Brasil colonial. Sua população - 6000 habitantes, aproximadamente - era formada por gente vinda dos quatro cantos do planeta. Além de comerciantes das mais diversas origens, havia soldados mercenários de várias nacionalidades a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, principalmente franceses, ingleses e alemães. Os soldados e comerciantes franceses formavam uma comunidade à parte; na maioria protestantes, fundaram, na Cidade Maurícia, uma igreja francesa. Muitos escoceses faziam o comércio ambulante. Entre os alemães, além de militares, havia cientistas ilustres, como o naturalista Georg Marcgraf, [...].
Os judeus, bastante numerosos, ocupavam uma posição especial nesse mosaico de povos. Muitos deles eram descendentes de famílias que durante séculos haviam habitado a península Ibérica e, perseguidas pela Inquisição, fugiram para a Holanda. Falando fluentemente holandês e português, serviam de intérpretes entre os luso-brasileiros e os invasores. A maioria vivia do comércio de açúcar ou de escravos. Tinham uma rua, a Jodenstraat (rua dos Judeus), e um cemitério fora da cidade. Como em outras épocas e lugares, a acusação de monopolizarem o comércio deu margem a violentas manifestações anti-semitas em Recife a partir de 1637.
* Costumes protestantes. Comerciantes requintados, os holandeses - assim como outros europeus - mostravam-se chocados com o "primitivismo" dos costumes da comunidade luso-brasileira. [...] Criticavam também o rude despojamento das casas portuguesas, bem como a pobreza da alimentação. No dia-a-dia, conta um viajante, "um pouco de farinha e um peixinho seco" era tudo que aparecia na mesa lusitana. Galinhas, perus, leitões e carneiros eram reservados para receber visitas ou para os dias de festa.
Contudo, embora torcendo o nariz para os dotes físicos e as maneiras das mulheres do Brasil, os holandeses as desposaram com bastante frequência, chegando a adotar seus costumes e a religião católica. Houve também um bom número de casamentos de holandeses com índias. Já as uniões - ou pelo menos os casamentos - entre homens portugueses e mulheres holandesas parecem ter sido raras.
* A legendária farsa do boi voador. Além de grande, a Recife de Maurício de Nassau chegou a ser uma cidade mais ou menos confortável, em contraste com a precariedade da vida urbana por todo o Brasil do século XVII. As ruas pavimentadas, pontes e obras de saneamento feitas pelos holandeses melhoraram sensivelmente as condições de vida da população. E havia até algum divertimento por conta do conde. Ficaram famosas as cavalhadas que ele promoveu em 1641 na beira do Capibaribe. A farsa do boi voador também se tornou lendária: no dia da inauguração da ponte do Recife, os holandeses anunciaram que fariam um boi voar. Diante da multidão que veio ver o prodígio, fizeram aparecer primeiro um boi de verdade no alto de um sobrado. Depois, um couro de boi recheado de palha "sobrevoou" a assistência suspenso por cordas que, na escuridão da noite, não eram vistas pelo público.
Saga: a grande história do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1981. v. 1. p. 216-217.
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