Ânfora que retrata jovens colhendo azeitonas, ca. 520 a.C., Antimenes. Foi na Antiguidade Clássica que a escravidão se tornou um modo sistemático de produção.
"É essencial que cada escravo tenha uma finalidade claramente definida. É tanto justo e vantajoso oferecer liberdade como um prêmio [...]. Também deveríamos deixar que tenham filhos que sirvam como reféns; e, como é de costume nas cidades, não deveríamos comprar escravos das mesmas origens étnicas". O conselho poderia ser dado a qualquer jovem que desejasse administrar escravos na América durante a Época Moderna, mas a admoestação foi dada por um discípulo de Aristóteles em um tratado do final do século IV a.C.
Por muito tempo o continente africano tem sido reconhecidamente o lugar que mais exportou, por séculos, pessoas para servirem de mão de obra escrava para os quatro cantos do mundo. Pesquisas arqueológicas, registros de portos, cartas e tantos outros documentos atestam a violência e a extensão deste comércio. Nem por isso, entretanto, a África pode ser considerada o único berço da escravidão.
Impérios como o egípcio, o assírio e o babilônico tinham como prática recorrente o uso do trabalho compulsório. O código de Hammurabi (1792-1750 a.C.), um conjunto de leis do período babilônico antigo, por exemplo, dedica alguns de seus parágrafos à regulamentação da compra e venda de escravos. Na sociedade babilônica antiga os escravos eram minoria, convertidos a esta condição após se tornarem prisioneiros de guerra em campanhas militares. Havia ainda homens livres que, impossibilitados de pagar suas dívidas, vendiam esposas, filhos ou a si mesmos como escravos.
Assim como a democracia, herdamos a ideia de escravo-mercadoria mais próxima do que entendemos hoje da Antiguidade Clássica. E foi no auge da civilização grega (entre os séculos V e IV a.C.) e romana (séculos II a.C. a II d.C.), juntamente com o amplo desenvolvimento da Filosofia, da Poesia, do Direito e da Administração, que a escravidão se tornou o modo de produção dominante. As cidades-estados gregas foram, portanto, as primeiras a transformar a escravidão em um sistema de produção sistemático, que serviu de base para as realizações das cidades na Antiguidade Clássica.
Apesar da grande opulência das cidades gregas e romanas, sua economia não estava calcada em uma economia urbana. A oligárquica Esparta, a democrática Atenas e a Roma senatorial baseavam a sua economia no campo, a partir da produção de trigo, azeite e vinho. As cidades gregas foram as primeiras a empregar a mão de obra escrava no comércio e no cultivo de pequenas áreas com escassa população. Os romanos ampliaram ainda mais este uso, utilizando os cativos para o trabalho em grandes áreas de agricultura, o latifundium.
O trabalho livre e o escravo, longe de constituírem uma contradição, eram complementares. De modo geral, poucas atividades eram exclusivamente exercidas por um ou outro. Aos escravos estavam vetadas atividades relacionadas à lei, à justiça, à política, enquanto aos homens livres os trabalhos nas minas e os serviços domésticos não eram permitidos. No final do período republicano romano (509 a 27 a.C.), 90% dos artesãos eram de origem escrava. Já na Grécia do século V a.C., cidades como Atenas, Corinto e Egina tinham uma população escrava maior do que a de cidadãos livres. Em Atenas, por exemplo, havia entre 80 e 100 mil escravos e cerca de 40 mil cidadãos.
Na Grécia os escravos eram capturados através da guerra contra os povos não gregos, chamados por eles de "bárbaros", e da pirataria. Dentro do território, estrangeiros e crianças bastardas também corriam o risco da escravização. Havia lucrativos mercados de escravos, como os de Tanais, Bizâncio e Corinto. As vendas efetuadas em cada cidade-estado deveriam ser tributadas e os comerciantes eram obrigados a informar a respeito dos possíveis "defeitos" de sua mercadoria, como doenças, propensões a fugas, entre outros.
À exceção de Esparta, em que os escravos não podiam ser comprados ou vendidos, de modo geral os cativos eram mercadorias móveis. E, apesar de considerados humanos, mantinham na teoria romana um status quase similar ao dos animais de carga, considerados instrumentum semi-vocale, enquanto os escravos eram um instrumentum vocale.
Em Roma, os escravos também eram capturados a partir das guerras, que fortaleciam o poder militar do Estado. A existência dessa mão de obra permitia o crescimento econômico e, indiretamente, o recrutamento de tropas urbanas livres para o exército - no século III, por exemplo, foram guerras como as Púnicas (264-146 a.C.) que forneceram a força de trabalho para as enormes terras conquistadas.
O escravismo, entretanto, não foi preponderante em todo o Império romano. Apesar de ser um grande império tributário, os romanos não formavam uma unidade econômica social. Este modelo produtivo foi forte principalmente em parte do mundo grego, absorvido pelos romanos, na Sicília e na península italiana.
A escravidão representava a mais radical degradação do homem, convertido em meio de produção e privado de seus direitos sociais. A separação radical entre trabalho material e liberdade permitia que a completa ausência de liberdade de alguns indivíduos desse lugar à livre participação política de outros. A distinção entre trabalho e liberdade se fazia presente até mesmo na língua. Em grego clássico não havia uma palavra que denotasse o conceito de trabalho manual e intelectual. O trabalho adquiriu um status de culto divino sob a fórmula laborale est orare dos monges letrados.
Se o trabalho passa a ser visto de forma diferente dentro da tradição religiosa, engana-se quem pensa que a Igreja do Baixo Império alterou a antiga tradição da escravidão. Nos escritos de seus patriarcas, desde o apóstolo Paulo, havia uma aceitação unânime da escravidão, por parte da instituição eclesiástica, aconselhando aos escravos a obediência aos seus senhores, e a estes, o tratamento justo para seus escravos - a Igreja era uma instituição proprietária de escravos em grande escala.
A queda do Império Romano no século V e o início da Idade Média não extinguiram o trabalho escravo. Durante vários séculos na Europa conviveram diversas formas de trabalho, coexistindo, além do servo feudal, o escravo e o camponês livre. Na Europa Carolíngia, durante o século VIII, 10 a 20% da população rural eram constituídos por escravos. Na Inglaterra do século XI, os escravos compunham cerca de 10% da mão de obra e eram economicamente relevantes nas regiões mais remotas do oeste. Na Península Ibérica do século XIII (onde estão hoje Portugal e Espanha), a servidão da gleba quase desapareceu devido à grande quantidade de escravos trazidos do sul pelos muçulmanos, que dominavam a região desde o século VIII, lá permanecendo até 1492, ano no qual os europeus chegaram oficialmente à América.
Foi o califado muçulmano na Espanha que incrementou o tráfico de escravos na Europa, fazendo deste continente um importante fornecedor de braços cativos. Estes prisioneiros, de maioria eslava, abasteciam o comércio entre Veneza e o seu império islâmico ao sul do Mediterrâneo. Assim como a África, os povos eslavos serviram de reservatório de escravos para o mundo muçulmano. A palavra "eslavo", aliás, determinou etimologicamente a categoria de pessoas privadas de sua liberdade, originando slave, em inglês, sklaven, em alemão, esclavo, em espanhol, escravo, em português, por exemplo. Capturados em guerras internas ou contra os germânicos, os eslavos eram vendidos para servir de mão de obra na Europa e também nos países muçulmanos. Eram empregados basicamente no exército e na administração. Em alguns casos, eram castrados e enviados para os haréns.
Com uma atuação muito distinta do mundo atlântico-europeu, os escravos do mundo muçulmano tiveram papel de destaque. No Egito, os eslavos, que chegaram como mercadoria dos Bálcãs, atuaram como soldados e administradores na consolidação do Império Fatímida. Um deles fundou o Cairo e a maior universidade do Egito até os dias atuais, a al-Azhar, no século X.
A escravidão, enfim, não foi uma exclusividade africana e, apesar de não se poder afirmar que ela existe desde sempre, pode-se suspeitar de sua existência desde tempos imemoriais. Na Antiguidade, antes de atravessar o Atlântico, ela já havia se consolidado na Europa e também na própria África.
Cristiane Nascimento. Antigo comércio. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 10 / Nº 108 / Setembro 2014. p. 17-19.
Apesar da grande opulência das cidades gregas e romanas, sua economia não estava calcada em uma economia urbana. A oligárquica Esparta, a democrática Atenas e a Roma senatorial baseavam a sua economia no campo, a partir da produção de trigo, azeite e vinho. As cidades gregas foram as primeiras a empregar a mão de obra escrava no comércio e no cultivo de pequenas áreas com escassa população. Os romanos ampliaram ainda mais este uso, utilizando os cativos para o trabalho em grandes áreas de agricultura, o latifundium.
O trabalho livre e o escravo, longe de constituírem uma contradição, eram complementares. De modo geral, poucas atividades eram exclusivamente exercidas por um ou outro. Aos escravos estavam vetadas atividades relacionadas à lei, à justiça, à política, enquanto aos homens livres os trabalhos nas minas e os serviços domésticos não eram permitidos. No final do período republicano romano (509 a 27 a.C.), 90% dos artesãos eram de origem escrava. Já na Grécia do século V a.C., cidades como Atenas, Corinto e Egina tinham uma população escrava maior do que a de cidadãos livres. Em Atenas, por exemplo, havia entre 80 e 100 mil escravos e cerca de 40 mil cidadãos.
Na Grécia os escravos eram capturados através da guerra contra os povos não gregos, chamados por eles de "bárbaros", e da pirataria. Dentro do território, estrangeiros e crianças bastardas também corriam o risco da escravização. Havia lucrativos mercados de escravos, como os de Tanais, Bizâncio e Corinto. As vendas efetuadas em cada cidade-estado deveriam ser tributadas e os comerciantes eram obrigados a informar a respeito dos possíveis "defeitos" de sua mercadoria, como doenças, propensões a fugas, entre outros.
À exceção de Esparta, em que os escravos não podiam ser comprados ou vendidos, de modo geral os cativos eram mercadorias móveis. E, apesar de considerados humanos, mantinham na teoria romana um status quase similar ao dos animais de carga, considerados instrumentum semi-vocale, enquanto os escravos eram um instrumentum vocale.
Em Roma, os escravos também eram capturados a partir das guerras, que fortaleciam o poder militar do Estado. A existência dessa mão de obra permitia o crescimento econômico e, indiretamente, o recrutamento de tropas urbanas livres para o exército - no século III, por exemplo, foram guerras como as Púnicas (264-146 a.C.) que forneceram a força de trabalho para as enormes terras conquistadas.
O escravismo, entretanto, não foi preponderante em todo o Império romano. Apesar de ser um grande império tributário, os romanos não formavam uma unidade econômica social. Este modelo produtivo foi forte principalmente em parte do mundo grego, absorvido pelos romanos, na Sicília e na península italiana.
A escravidão representava a mais radical degradação do homem, convertido em meio de produção e privado de seus direitos sociais. A separação radical entre trabalho material e liberdade permitia que a completa ausência de liberdade de alguns indivíduos desse lugar à livre participação política de outros. A distinção entre trabalho e liberdade se fazia presente até mesmo na língua. Em grego clássico não havia uma palavra que denotasse o conceito de trabalho manual e intelectual. O trabalho adquiriu um status de culto divino sob a fórmula laborale est orare dos monges letrados.
Se o trabalho passa a ser visto de forma diferente dentro da tradição religiosa, engana-se quem pensa que a Igreja do Baixo Império alterou a antiga tradição da escravidão. Nos escritos de seus patriarcas, desde o apóstolo Paulo, havia uma aceitação unânime da escravidão, por parte da instituição eclesiástica, aconselhando aos escravos a obediência aos seus senhores, e a estes, o tratamento justo para seus escravos - a Igreja era uma instituição proprietária de escravos em grande escala.
A queda do Império Romano no século V e o início da Idade Média não extinguiram o trabalho escravo. Durante vários séculos na Europa conviveram diversas formas de trabalho, coexistindo, além do servo feudal, o escravo e o camponês livre. Na Europa Carolíngia, durante o século VIII, 10 a 20% da população rural eram constituídos por escravos. Na Inglaterra do século XI, os escravos compunham cerca de 10% da mão de obra e eram economicamente relevantes nas regiões mais remotas do oeste. Na Península Ibérica do século XIII (onde estão hoje Portugal e Espanha), a servidão da gleba quase desapareceu devido à grande quantidade de escravos trazidos do sul pelos muçulmanos, que dominavam a região desde o século VIII, lá permanecendo até 1492, ano no qual os europeus chegaram oficialmente à América.
Foi o califado muçulmano na Espanha que incrementou o tráfico de escravos na Europa, fazendo deste continente um importante fornecedor de braços cativos. Estes prisioneiros, de maioria eslava, abasteciam o comércio entre Veneza e o seu império islâmico ao sul do Mediterrâneo. Assim como a África, os povos eslavos serviram de reservatório de escravos para o mundo muçulmano. A palavra "eslavo", aliás, determinou etimologicamente a categoria de pessoas privadas de sua liberdade, originando slave, em inglês, sklaven, em alemão, esclavo, em espanhol, escravo, em português, por exemplo. Capturados em guerras internas ou contra os germânicos, os eslavos eram vendidos para servir de mão de obra na Europa e também nos países muçulmanos. Eram empregados basicamente no exército e na administração. Em alguns casos, eram castrados e enviados para os haréns.
Com uma atuação muito distinta do mundo atlântico-europeu, os escravos do mundo muçulmano tiveram papel de destaque. No Egito, os eslavos, que chegaram como mercadoria dos Bálcãs, atuaram como soldados e administradores na consolidação do Império Fatímida. Um deles fundou o Cairo e a maior universidade do Egito até os dias atuais, a al-Azhar, no século X.
A escravidão, enfim, não foi uma exclusividade africana e, apesar de não se poder afirmar que ela existe desde sempre, pode-se suspeitar de sua existência desde tempos imemoriais. Na Antiguidade, antes de atravessar o Atlântico, ela já havia se consolidado na Europa e também na própria África.
Cristiane Nascimento. Antigo comércio. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 10 / Nº 108 / Setembro 2014. p. 17-19.