As coisas começaram assim: primeiro foram os deficientes mentais, depois os mendigos, comunistas, judeus, ciganos... e terminaram com o horror, com o extermínio de milhões de pessoas. O objetivo era de limpar a nação dos párias, dos improdutivos, dos oposicionistas e construir um povo superior, etnicamente puro, bonito, inteligente, trabalhador e que governaria o mundo por mil anos. [...]
O tempo passou, o monstro aparentemente foi morto, mas o seu espírito sobreviveu. Nos tempos modernos, a "dureza impiedosa" passou a chamar-se "tolerância zero" (tolerance zero), versão moderna da mesma política adaptada à cidade de Nova York pelo prefeito Rodolph Giuliani, que, ampliando o espectro do totalitarismo, incluiu os vendedores de cachorro-quente e pipoca, os artistas de parques e os pedestres infratores de trânsito. E, por ser tão importante, a cidade passou a ser referência para vários lugares do mundo, alguns discretos como a nossa pequena Florianópolis, a sua Praça 15 e suas ruas do centro. Da praça foram-se os artesãos, os punks, os hippies, os pobres, as prostitutas do caramanchão, os músicos populares, os religiosos, as ciganas que liam as mãos e os que protestavam contra essa política. Alguns sumiram, ninguém sabe dos seus paradeiros. Nada informam. Reina, agora, o medo.
Os que hoje sentem vergonha da "dureza impiedosa" lamentam não ter feito nada contra tudo aquilo quando ainda havia tempo. E hoje os que se calam e aceitam a "tolerância zero" com certeza amanhã farão o mesmo. (PAVESE, Júlio. A dureza impiedosa. Caros Amigos.)
Diálogo entre neonazistas e antifascistas, Bélgica.
Foto: Dereckson
Texto 2
[...] Nos anos 90, a ocorrência de mudanças profundas na estrutura e composição do capital produtivo, a abertura da economia, as privatizações e a política de juros altos têm gerado a dispensa em massa de trabalhadores.
O desemprego, a precarização das condições de trabalho, a expansão do trabalho informal atingem a cifra de milhões de trabalhadores. Muitos encontram respostas simplistas para problemas complexos como estes, e enxergam em alguns grupos sociais a responsabilidade pela situação vigente. Identificar a culpa em negros, nordestinos, homossexuais, judeus, entre outros, é como achar que o Sol gira em torno da Terra, a partir de uma constatação superficial, além de carregada de preconceitos.
A gravidade é tão grande que, muita gente, das mais variadas condições sociais, defende ideias desse tipo, mesmo sem usar coturno, suspensório, calça camuflada. Não andam por aí de taco de beisebol na mão, nem tampouco de cabeça raspada. Mas se aproximam, no campo das ideias, dos princípios racistas e xenófobos que estes grupos professam e praticam. [...]
Vivemos um inconsciente coletivo, onde parcelas da sociedade não refletem sobre o que defendem, mas reproduzem com energia palavras e ideias desprovidas de conteúdo, validade científica e comprovadamente reprovadas pela história humana, como solução aos problemas contemporâneos.
[...]
No mundo, por vezes, vence a ilusão da hipocrisia. Tão importante quanto agir com rigor, no caso da condenação pública destas pessoas, que se julgam os parâmetros do bom comportamento, é necessário estancar o crescimento, no seio da sociedade, de ideais desta natureza. A cumplicidade é tão ou mais violenta que a própria ação destes grupos. [...] (ALVES, Ricardo. Os carecas do ABC e do mundo. Correio da Cidadania.)
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