"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A herança negada

No Alhambra, Rudolf Ernst


Uma noite, em Madri, perguntei ao taxista:

- O que os mouros trouxeram para a Espanha?

- Problemas - respondeu ele, sem um instante de dúvida ou de vacilação.

Os chamados mouros eram espanhóis de cultura islâmica, que na Espanha tinham vivido durante oito séculos, trinta e duas gerações, e ali haviam brilhado como em nenhum outro lugar.

Muitos espanhóis ignoram, até hoje, os resplendores que aquelas luzes deixaram. A herança muçulmana inclui, entre outras coisas:

* a tolerância religiosa, que sucumbiu nas mãos dos reis católicos;
* os moinhos de vento, os jardins e os canais que até hoje dão de beber a várias cidades e irrigam seus campos;
* o serviço público de correios;
* o vinagre, a mostarda, o açafrão, a canela, o cominho, o açúcar de cana, os churros, as almôndegas, as frutas secas;
* o jogo de xadrez;
* a cifra zero e os números que usamos;
* a álgebra e a trigonometria;
* as obras clássicas de Anaxágoras, Ptolomeu, Platão, Aristóteles, Euclides, Arquimedes, Hipócrates, Galeno e outros autores, que graças às suas versões árabes foram difundidas na Espanha e na Europa;
* as quatro mil palavras árabes que integram a língua castelhana;
* e várias cidades de prodigiosa beleza, como Granada, que uma quadrinha anônima cantou assim:

Dá-lhe esmola, mulher,
que na vida não há nada
como a dor de ser
cego em Granada.

GALEANO, Eduardo. Espelhos: uma história quase universal. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 110.

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