Lunda, 1854, Artista desconhecido
O primeiro problema nos estudos sobre África Central Ocidental é a questão da difusão da metalurgia e a grande expansão das línguas bantu. Sobre essas duas questões, têm-se construído grandes equívocos. Primeiro, as explicações são dadas como se a expansão dos povos de língua bantu fosse responsável pela propagação do uso de instrumentos de ferro e, somente a partir daí, esses povos tiveram condições de enfrentar a Floresta Tropical. Segundo, há uma tendência de se identificar o termo bantu como característica etimológica no estudo dos povos. Como se fosse uma etnia.
Na verdade, os trabalhos da arqueologia e da linguística têm informado que bantu significa um tronco linguístico, e não uma etnia propriamente. Porém, tem-se feito identificação de bantu como grupo cultural e etnológico, e não como povos que falavam línguas de origem comum. No Brasil, a confusão por conta disso tem sido grande. Quando os africanos chegaram ao Brasil, aqueles que vieram da região abaixo da Floresta Tropical passaram a ser designados de bantu. Pela dimensão dos diversificados agrupamentos humanos existentes na região abaixo da floresta, o termo não identifica esse africano. Ele pode ser luba, lunda, kongo, mbundo, ovumbundo, etc. Bantu designa povos falantes de uma língua, e não uma etnia. [...]
Para que não se mantenha a ideia de uma África como um grande caldeirão, em que todos que de lá saíam tinham uma única identidade, de um lugar difuso e distante, será necessário saber o que é ser um bantu. A maioria da população abaixo da região dos Camarões pertence aos povos de língua bantu, mas, apesar de hoje serem majoritários, os bantu, quando chegaram à região, encontraram outros povos, os koisans-sans ou bosquímanos. São caçadores, muitos dos quais, no encontro com agricultores e metalúrgicos, passaram pelo processo de integração ou tiveram que migrar para regiões inóspitas, como o deserto do Kalaari e onde vivem até hoje.
No início do segundo milênio, surgiram as chefias políticas de caráter mais centralizado nas regiões das savanas, onde hoje seria o sudoeste de Angola e Congo. Provavelmente oriundos de comunidades de caçadores e coletores, obtiveram instrumentos de ferro por meio de seus vizinhos. Os agricultores se fixaram nas terras férteis junto aos vales dos rios.
A descoberta, o uso e a expansão do ferro marcaram uma importante fase na história de todas as populações da África Central. O metal era mais versátil e eficiente para a agricultura e foi se expandindo, substituindo os instrumentos de pedra e madeira.
As migrações bantu integravam na sua civilização traços culturais provenientes dos autóctones. O fenômeno característico da primeira metade de nosso milênio foi a diferenciação étnica. Dois fatores contribuíram para isso: os povos autóctones assimilados linguisticamente e a fraca intensidade de comunicação entre as populações. Para o historiador Jean-Luc Vellut, o maior exemplo disso foi a trajetória dos imbangala, população com elementos da cultura lunda, luba, ovimbundo e mbundo, que formou um conjunto étnico por volta do ano de 1600.
É possível que os diversos grupos cultivassem as diferenças linguísticas para traduzir uma maneira visível de sua vontade e individualização. Em zonas onde a vegetação e o relevo montanhoso tornavam a comunicação difícil, encontramos um só grupo regional com marcadas diferenças étnicas. Entretanto, onde o mapa linguístico obedeceu seguidos padrões, os traçados dos rios e da costa favoreciam as ligações laterais, constituindo grupos mais homogêneos. Na zona de savana, por conta da densidade populacional, foi preciso maior esforço para o isolamento.
Após transformações, como o crescimento da população e a eclosão das técnicas artesanais e do comércio, a sociedade tornou-se mais complexa. Os agricultores de língua bantu, em geral, organizavam-se em grupos matrilineares. O vínculo de parentesco de uma pessoa conta-se a partir da família da mãe. Naquela região da África, muitas vezes o parentesco era dessa maneira. Em outras sociedades, contava-se pelo pai e havia comunidades que contavam o parentesco por ambos os lados. Em matéria de descendência, predominava, portanto, o regime matrilinear. Assim, há uma influência grande desse regime nas questões de sucessão, herança, casamento e residência. Matrilinearidade e matriarcado são coisas distintas.
A matrilinearidade bantu era acompanhada, em geral, do princípio de que os homens tinham maior autoridade sobre as mulheres. A linhagem matrilinear ficou débil, enquanto a estrutura da aldeia achava-se reforçada. Essa autoridade da aldeia se fundamentava nos princípios territoriais e políticos.
PANTOJA, Selma. Uma antiga civilização africana: história da África Central Ocidental. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2011. p. 23-27.
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