Carregadoras de água no Ganges, Edwin Lord Weeks
A Índia foi, na Antiguidade e em épocas posteriores, uma fecunda encruzilhada de civilizações, um centro de intensa irradiação de ideias filosóficas e religiosas. [...] A Índia, pois, não só recebeu como também transmitiu influências culturais. [...]
O intercâmbio cultural entre o
Vale do Indo e as velhas civilizações da Mesopotâmia já foi mencionado. Intercâmbio
semelhante existiu com o império dos aquemênidas; essas relações com o Ocidente
se intensificaram na época helenística. Escavações recentes efetuadas nas
proximidades de Pondichéry atestam, de modo eloqüente, as ligações entre a Índia
e o Império Romano. Ptolomeu fala-nos desses portos que se escalonavam do
Mediterrâneo à China e os historiadores chineses informam-nos das visitas de
embaixadores romanos à corte imperial, na época do Antonino Pio e de Marco Aurélio.
Moedas romanas do tempo dos Antoninos, encomendadas no Oriente, confirmam esse
intercâmbio que não terá sido exclusivamente comercial.
Os contatos da Índia com o
Oriente foram igualmente intensos: a Ásia Central, a China, a Indochina, a
Indonésia e o longínquo Japão sofreram a influência da cultura indiana. A
expansão do budismo ilustra essa influência sobre a Ásia Oriental: a religião
de Buda difundiu-se na China, na Coréia e no Japão. Ruínas grandiosas de santuários
bramânicos e budistas falam eloquentemente do prestígio cultural da Índia em
Java.
No terreno artístico, a Índia
também irradiou sua influência no Oriente. Assim, por exemplo, “a arte
greco-budista se propaga, de uma parte através da Ásia Central para a China e o
Japão, de outra parte, na Índia e além, através da rota marítima, pela Insulíndia
e a Indochina”.
No que tange a influência científica,
registremos que da literatura científica da Índia dependem em sua maior parte
as obras congêneres da Alta Ásia Antiga, do Tibet, da Mongólia, da Birmânia,
Tailândia, Laos, Cambodge e Indonésia. “Estudada em si mesma e traduzida ou
continuada em outras línguas, a literatura científica sânscrita desempenhou na Ásia
Oriental o mesmo papel que na Europa e na Ásia Ocidental a literatura científica
grega traduzida, imitada ou prolongada em siríaco ou em árabe”. Se, agora,
voltarmo-nos para o Ocidente, surge uma interrogação: até que ponto teria a Índia
influído na cultura da nossa Antiguidade Clássica? No terreno científico,
parece inegável essa influência: “A comunicação de ideias indianas a certos
meios médicos gregos da época da Coleção
hipocrática e de Platão é atestada pela menção, no tratado “Das doenças das
mulheres”, de um medicamento indiano, a pimenta, e de receitas médicas indianas”.
Admitia-se desde a época de Aristóteles que, mesmo antes da expedição de
Alexandre, intelectuais indianos teriam vindo à Grécia. Aristóxenes de Tarento,
discípulo de Aristóteles, cita uma anedota em que aparece um sábio indiano
visitando Sócrates.
Quanto às elucubrações filosóficas,
é possível delinear-se um paralelo entre certos pontos do pensamento indiano e
do pensamento grego. Mas, entre as especulações helênicas e as meditações
indianas, existem abismos intransponíveis, o que torna temerárias quaisquer
afirmações sobre uma influência direta destas sobre aquelas.
E quanto ao nosso patrimônio
cultural, existirá alguma contribuição direta de civilização indiana? “Não
podemos atribuir à civilização indiana dádivas diretas como as que recebemos do
Egito e do Oriente Próximo; porque estas civilizações foram as imediatamente
ancestrais da nossa, ao passo que as histórias da Índia, China e Japão correm
em outro rumo e só agora estão começando a tocar e influenciar a corrente da
vida ocidental. É verdade que, mesmo através da barreira do Himalaia, a Índia
nos mandou grandes presentes, como a gramática e a lógica, a filosofia e as fábulas,
o hipnotismo e o xadrez, e acima de tudo o nosso sistema decimal. [...] Entre
as coisas mais vitais da nossa herança oriental estão os algarismos “arábicos”
e o sistema decimal, ambos vindos da Índia através da Arábia. Os algarismos
erradamente chamados arábicos aparecem nos “Editos de Pedra de Ashoka (256 a .C.), precedendo de um
milênio à sua aparição na literatura árabe. Disse o grande e magnânimo Laplace:
Foi a Índia que nos deu o engenhoso método de representar todos os números por
meio de dez símbolos, cada um deles recebendo um certo valor de posição, assim
como um certo valor absoluto; profunda e importante ideia essa, e de tão
simples que nos parece hoje, ignoramos-lhe o verdadeiro mérito. A sua
simplicidade, a grande facilidade que imprimiu a todos os cálculos, pôs a nossa
aritmética no primeiro plano das invenções úteis; e apreciaremos duplamente a
grandeza de tal descoberta se refletirmos que ela escapou ao gênio de
Arquimedes e Apolônio, dois dos maiores homens produzidos pela Antiguidade”.
O que há de importante no legado
da Índia antiga é que, no Oriente, ele é tão vivo hoje como no passado. Porque
a civilização da Índia, ao contrário do que sucedeu às velhas civilizações do
Oriente Próximo, não conheceu a morte. Resistiu durante milênios e apresenta-se
hoje bem viva, com todos os seus defeitos e virtudes. Assim, por exemplo, a
velha literatura transmitida durante séculos pela tradição oral revela-se hoje
com o mesmo vigor e pujança com que influiu outrora as massas sedentas de solução
para os magnos problemas da vida. A história da Índia não terminou na
Antiguidade. Não existe, na península, solução de continuidade entre os tempos
de Gandhi e de Nehru e a época de Buda, Jina ou de Açoka.
GIORDANI, Mário Curtis. História da antiguidade oriental. Petrópolis:
Vozes, 2012. p. 397-399.
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