A dama Guoguo passeando a cavalo, Li Boshi
Tendo como berço a vasta planície sulcada pelas águas do Rio Amarelo, a civilização chinesa desenvolveu-se e expandiu-se numa imensa área da Ásia Oriental e Central não só recebendo contribuições culturais de outros povos, mas também transmitindo a muitas regiões o legado de uma brilhante civilização.
A obra conquistadora e
colonizadora dos Han lembra a realização das legiões romanas. Da Coréia ao
Vietnam, os legionários dos Han difundiram as ideias do confucionismo sobre a
organização estatal: centralização do poder e regularização da administração. E
com as concepções políticas seguiram todas as conquistas intelectuais e
materiais: as obras de Confúcio e o arado de metal elevavam harmoniosamente o nível
cultural dos povos submetidos. “Pela espada e pelo pincel, a China dos Han
criou no Extremo Oriente e em todos os países de sua periferia, destinados a
transformar-se em estados satélites, o direito administrativo, o direito público,
o direito privado”.
O grande veículo da civilização
chinesa foi a língua escrita, “língua de cultura e de administração do Anam, até
a conquista francesa, da Coréia até a anexação japonesa, do próprio Japão nos
primeiros séculos da introdução da civilização chinesa”. O chinês escrito
influiu fortemente o vocabulário do idioma de todos esses países “que lhe
pediram e frequentemente ainda pedem emprestados termos de cultura, forjando
novas expressões com a ajuda de palavras chinesas da língua escrita, como nós o
fazemos com o auxílio das palavras do grego antigo”.
Como sucedeu por ocasião da queda
do Império Romano do Ocidente, a quebra dos laços políticos entre o Império
Chinês e as regiões distantes outrora conquistadas não impediu o
desenvolvimento das sementes de civilização lançadas: cresceram, tornaram-se árvores
frondosas que ainda hoje frutificam.
Anotemos agora algumas
realizações do gênio inventivo chinês que teriam enriquecido o patrimônio
cultural do Ocidente.
A porcelana, a seda, a bússola, a
imprensa, a pólvora e o papel, eis alguns progressos de nossa civilização que
nos fazem pensar na China. O uso da agulha magnética entre os chineses parece
remontar a muitos séculos antes de nossa era; mas somente foi introduzido no
Ocidente por volta do século XII pelos árabes que o ensinaram aos normandos da
Sicília, os quais, por sua vez, o transmitiram a genoveses e venezianos.
Os eruditos chineses discutem a
época em que nasceu na China a arte de imprimir. Já nos primeiros séculos da
nossa era, moldes de pedra eram utilizados para a impressão das firmas do
imperador e dos príncipes. O ministro Feng-Tao, no século X da Era Cristã,
conseguiu que fossem gravados em matrizes de madeira os clássicos chineses. No
século seguinte, o ferreiro Pisching ou Pi-Sheng teria inventado os tipos móveis.
É difícil, entretanto,
estabelecer uma relação entre a invenção chinesa e o aparecimento da imprensa
no Ocidente ao findar a Idade Média.
Quanto ao papel, não há dúvida
sobre a contribuição chinesa. O segredo da fabricação foi relevado em
Samarcanda no século VIII por prisioneiros chineses, espalhando-se daí para o
Ocidente por intermédio dos árabes.
A pólvora também nos foi
transmitida pelos árabes, que vieram a conhecer o salitre “no curso de seu tráfico
com a China e deram-lhe o nome de “neve chinesa”; trouxeram para o Ocidente o
segredo da pólvora, que os sarracenos puseram em uso militar; Roger Bacon, o
primeiro europeu que a mencionou, deve ter adquirido esse conhecimento no seu
estudo dos árabes ou por meio dum viajante da Ásia Central, De Rubruquis”.
Mencionemos ainda, a título e
curiosidade, outra contribuição da velha China: o método de resolução de equação
do primeiro grau com uma incógnita, supondo o problema resolvido com uma solução
por excesso e outra por falta, consta numa obra de matemática da época dos Han
e passou à Europa com o nome árabe de “Al Khataayn”, isto é, “a chinesa”.
A história da China, desde milênios,
não conhece solução de continuidade. Eis um fato importante a ser considerado
quando se procura definir o legado da China antiga à civilização. As velhas
tradições, as grandes sínteses doutrinárias filosófico-religiosas que no
passado deitaram raízes na alma chinesa, continuaram durante toda a história a
influir na mentalidade das gerações que se sucederam no velho país do Extremo
Oriente. Tal asserção pode ser ilustrada com o exemplo do confucionismo que,
durante milênios, tem sido o “código ortodoxo de toda a vida moral e espiritual
e, apesar dos sistemas concorrentes, continua a ser o princípio diretivo da
vida social. Desde a dinastia dos Han, a instrução pública baseia-se
inteiramente sobre os ensinamentos de Confúcio, cujo alcance espiritual,
malgrado os desvios que a fraqueza humana lhe imprimiu, continua integral.
[...]
GIORDANI, Mário Curtis. História da antiguidade oriental. Petrópolis:
Vozes, 2012. p. 435-437.
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