No Porto da Estrela está o mundo rural bem definido. Tropeiros, arrieiros de tropa, tocadores de tropa. Todos distinguíveis pelos seus trajes e pelo tirar o chapéu aos poderosos. Um arrieiro de tropa a cavalo, identificado pelo seu miserável capotão. Os escravos e os camaradas, descalços. E à vista outro importante diferencial. Os cavalos. Muitos fazendeiros na sua representação tinham potreiros nos quais criavam seus animais de sela. Cavalos inteiros para mostrar o quão exímios cavaleiros eles eram. A iconografia desta época mostrou a utilização de freios pesados, cavalos com pescoços em "chaleira", denotando a "mão pesada" dos ginetes e a tensão dos animais.
Porto da Estrela, Rugendas
Na Rua Direita estão os dois mundos: o rural e o urbano. Parece um "carnaval", mas é uma iconografia riquíssima para se entender o Brasil de então. Rei indo para o Palácio, transeuntes fazendo a vênia, procissão, comerciantes, tropeiros, rico casal em sua sege, escravos de quitanda com outros escravos, padres, prostitutas e vendeiros. Entretanto, todos sabiam o seu lugar, os seus limites. Havia uma "ordem" invisível a quem não a conhecesse, mas muito bem formalizada: o Paço, comerciantes, tropeiros e fazendeiros, os livres, os forros, os escravos e por fim os escravos novos. No exercício de sua masculinidade, o jovem senhor tinha de falar, transitar e impor suas ordens a todos os grupos da sociedade.
Rua Direita, Rugendas
Eduardo Schnoor. "Riscando o chão": masculinidade e mundo rural entre a Colônia e o Império. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia. História dos homens no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2013. p. 95-98.