"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A questão indígena na América 5: As políticas de proteção aos indígenas

"Quem é quem aqui na América? Não será aqui porventura o berço onde há cinco séculos se engendra e se forja no sangue que se mescla e se mestiça, não apenas nas cores e tons dos corpos e dos olhos, mas na herança coletiva de suas almas e culturas, de seus arquétipos milenares, mitos, valores, crenças e rituais? Não será aqui o berço de um Novo Mundo, como um dia ele foi chamado? Não como um retorno ao passado indígena da nossa América, mas pela fusão de dois mundos que há um tempo não tão distante se chocaram; pelo resgate de valores e modelos de uma civilização indígena que não morreu, mas permanece como potencial vivo em meio das ruínas de tantas Tenochtitlans.

Porventura, não seria aqui, esta parte adormecida do mundo, o palco de um "Novo Renascimento", no qual os modelos não seriam mais Zeus, Apolo ou Afrodites, mas Quatzalcoatl, Huitzopochtli, Wuiracocha, Tonatzin e Sumé?

Que o anunciem do alto das pirâmides e cordilheiras os deuses-heróis e todos os morubixabas, com todas as quenas e muirakitãns.

Que o revelem, o canto das cachoeiras, o grito das araras e o farfalhar das palmas de buriti. Que todos possam escutar no rufar dos tambores, dos maracás e dos rituais da História, sintetizadores sonorizados cantando sons ancestrais.

Que possamos pressentir nos subterrâneos da Terra-mãe as raízes milenares de povos inacabáveis, sementes de uma humanidade renovada, senhora de um futuro que não podemos ainda perceber.

E que dê um toque de urucum em seu rosto mestiço e comece a ouvir uma canção cheyenne". (BARCELLOS, Maurílio Pereira. América indígena: 500 anos de resistência e conquista. São Paulo: Paulinas, 2002. p. 81-82.)

O discurso da "pacificação" e a defesa da aculturação dos indígenas fizeram parte de sucessivas políticas governamentais, até o início do século XX, quando a discussão sobre a situação do indígena no continente ganhou novos contornos. Intelectuais, movimentos políticos e sociais e as comunidades indígenas se manifestaram exigindo respostas dos governos a problemas que se arrastavam havia séculos.

Um evento que deu visibilidade a esse tipo de manifestação foi o XVI Congresso Internacional de Americanistas, realizado em 1908, em Viena, na Áustria, no qual foram denunciados massacres sistemáticos de indígenas no Brasil. Diante disso, o governo brasileiro se viu pressionado a implantar ações de assistência e proteção às populações indígenas. Para tanto, fundou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, órgão cuja incumbência era evitar o extermínio dos povos indígenas e solucionar os conflitos.


Cândido Rondon com índios Paresi. Imagem do documentário do Major Thomaz. Sem data.

A direção desse organismo foi assumida por Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958). Militar adepto das ideias positivistas, Rondon havia se destacado pelo sucesso na instalação de redes telegráficas no centro-oeste do país, durante a qual estabelecera contato com diversos povos indígenas considerados hostis, pondo em prática medidas assistencialistas e declarando-os "pacificados". O SPI atuou de forma semelhante, prestando assistência médica, instalando escolas e procurando demarcar terras a fim de minimizar os conflitos. Esse organismo foi extinto em 1967 e deu lugar à Fundação Nacional do Índio (Funai), até hoje atuante.

O Peru também assumiu, oficialmente, uma política de proteção aos indígenas nas primeiras décadas do século XX. Em 1920, a fundação do Comitê Central Pró-Direitos Indígenas e a promulgação de uma Constituição nacional na qual se reconheciam as terras indígenas representaram conquistas importantes para os povos que constituem esse país.

Os Estados Unidos, por sua vez, tornaram-se referência, nesse mesmo período, ao criar leis que favoreciam a autonomia das comunidades indígenas. Em 1934, o governo decretou a Lei de Reorganização Indígena, que incentivava as comunidades a escrever suas constituições e a se autogovernar, ainda que devessem se subordinar a um organismo federal, o Burô de Assuntos Indígenas. Essa medida contribuiu para conferir legitimidade às tradições e aos costumes indígenas.

Em 1940, foi realizado no México o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que teve o papel de propor diretrizes e princípios norteadores para as ações governamentais voltadas aos indígenas. Tais princípios passaram a ser seguidos por governos de diversos países latino-americanos e orientaram a fundação de alguns institutos indigenistas, como o da Bolívia, em 1941, e o do México, em 1948.

Apesar dessas iniciativas, a proteção aos indígenas, até então, estava vinculada à ideia de aculturação, de acordo com a qual os indígenas deveriam ser educados nos moldes "civilizados" e inseridos no mercado de trabalho, ainda que isso conduzisse ao abandono gradual de suas tradições.

É consideravelmente recente a concepção de que a organização social, a cultura e os distintos modos de vida dos povos indígenas devem ser reconhecidos e respeitados, não cabendo à sociedade envolvente transformá-los ou moldá-los segundo valores que não fazem parte de sua identidade. Em todo o continente, atualmente, há organizações de povos indígenas que lutam por seus direitos, discutem os problemas e as possíveis soluções para garantir a melhora da qualidade de vida e a sobrevivência das novas gerações. (NAPOLITANO, Marcos; VILLAÇA, Mariana. História para o ensino médio: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 217-218)

Referências:

BARCELLOS, Maurílio Pereira. América indígena: 500 anos de resistência e conquista. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 81-82.
NAPOLITANO, Marcos; VILLAÇA, Mariana. História para o ensino médio: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 217-218.

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